segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Desesperança


Depois que o mar negou-lhe os sentidos,

o homem sem alma fechou-se na dúvida

de tomar vinho ou vinagre,

mas preferiu aguardente de pera,

secando, (de)pois, os lábios pálidos

da desesperança com a mão do destino.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sessão privê de "À Deriva"


Confesso que meu grande sonho no escurinho do cinema era assistir a um filme absolutamente sozinho. Hoje, na sessão das 16h50, do Moviecom Praia Shopping, realizei o desejo acalentado durante anos. O filme "premiado" foi À Deriva (Brasil, 2009), do cineasta pernambucano Heitor Dhalia. Saí da sala regozijando-me pela concretização do sonho e por ter assistido a um filme digno do ingresso pago.


Ainda confesso que fui sem muito ânimo conferir a fita, vez que lera críticas desfavoráveis, comentários desairosos e vira o trailer e não gostara. À Deriva sustenta-se no ótimo roteiro de Heitor Dhalia que nos surpreende com revelações e surpresas do início ao fim. A história parece banal e "batizada", mas o pulo do gato é o roteiro inventivo de Dhalia, o que só fez corroborar meu pensamento de que os cineastas pernambucanos dominam atualmente o cinema brasileiro, vide o candidato a gênio Cláudio Assis.


O enredo se passa numa praia de veraneio e gira em torno da desagregação do casal Mathias (Vincent Cassel), escritor francês radicado no Brasil, e a professora Clarice (Débora Bloch), com seus três filhos. A adolescente e primogênita Filipa (Laura Neiva) presencia todo o complexo processo de implosão do casamento, especialmente o namoro do pai com a também veranista americana Angela (Camilla Belle). Nesse triângulo amoroso, Filipa vai descobrindo ela mesma desejos, experimentando frustrações e o quanto é difícil sustentar uma relação conjugal desgastada pelo tempo. O plus de Heitor Dhalia vem no final da trama quando Filipa conta para a mãe que o pai tem um caso extraconjugal com a tal Angela, supostamente o pivô da separação. Clarice soterra o "heroísmo" e a cumplicidade de Filipa ao revelar que o pivô da separação, na real, é um aluno dela 10 anos mais novo. É demais para a adolescente que se entrega ao barman (Cauã Reymond) do restaurante frequentado pela família, numa atitude mesclada de decepção, revolta, descoberta do prazer e autoafirmação.


Heitor Dhalia estreou na direção de um longa-metragem em Nina (2004), cujo roteiro é livremente inspirado no livro Crime e Castigo, de Fiódor Dostoievski; seu segundo filme, O Cheiro do Ralo (2007), teve como base o livro homônimo de Lourenço Mutarelli. À Deriva, terceiro filme, é também seu projeto mais pessoal. Muitos são os méritos do celuloide, a começar pela escolha do elenco, com o ótimo trio Vincent Cassel - com seu sotaque afrancesado -, Débora Bloch e a estreante Laura Neiva; além da fotografia deslumbrante, figurinos de Alexandre Herchcovitch e a música assinada por Antonio Pinto.


À Deriva teve pré-estreia na 62a. edição do badalado Festival de Cinema de Cannes, dentro da mostra Um Certo Olhar, e na Riviera foi bem recebido. Filipa junta-se às minhas outras duas ninfas/musas estreantes do cinema nacional: Silene (Cristina Aché), de Os Sete Gatinhos (1980), e Alice (Flávia Monteiro), de A Menina do Lado (1987). Para Nabokov babar na gravata.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Mistério

Morte sorte norte


Por que palavras encerram enigma


se sugerem descoberta?


Seria isso obra de Deus


ou de poeta ressentido?


Aviso aos desavisados: caríssimos,


o mistério tem segredos que não


sabemos a cor de cor.


Dia é claro; outro, escuro;


quando respiramos paixão,


sentimento limite


que desorienta e descaminha


norte sorte morte

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Poema de Nivaldete Ferreira com ilustração de Diotima de Mantinea


Tsen-Mei,

Não lhe conheço "Aldeia de Kiang"

Nem sei se fumaças de guerra

Embaçam os óculos de Deus.

Não sei algoritmo ou algum ritmo

Que sirva à dança estática de um só

Nem se no espelho Platão é Diotima.

Não sei o que concerne ao saber

Do saber do afogado

Nem o harmatã da tarde áfrica

Nem "Guipura" e "Fierabras".


Mas sei: a poesia abrindo as largas

Mandíbulas do Calado

No claro-escuro vão dos ditos


-Sombra e luz,

Essas coisas fêmeas

Essas coisas gêmeas

De que são feitos todos os poemas.


Nivaldete Ferreira

(in Trapézio e outros movimentos, 1994)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Budapeste


Hoje conferi Budapeste (Drama, Brasil/Hungria/Portugal, 113 min., 2009), filme baseado na obra homônima do escritor Chico Buarque de Holanda e dirigido por Walter Carvalho. Assim que o livro saiu comprei-o logo, mas como já fazia tempo que o havia lido, fui ver o filme sem lembrar de muitas nuances da história. Apenas tinha lembrança do livro denso que lera.


O filme não foge ao livro na complexidade. Conta a história de José Costa, um ghost-writer carioca que faz o nome e o sucesso de terceiros escrevendo romances e biografias, sem nunca ganhar crédito com isso, um desconforto que o persegue quase a história inteira. Sua sorte começa a mudar quando ele conhece a capital da Hungria, a qual exerce grande fascínio sobre Costa e vai mudar sua vida para sempre.


Casado com a deslumbrada apresentadora de TV Vanda (Giovanna Antonelli), Costa dá com os costados sozinho em Budapeste - a relação ia de mal a pior - e na capital da Hungria envolve-se com a bela Kriska (Gabriela Hátori), que o ensina a falar e escrever no idioma local.


Diretor de fotografia de clássicos do novo cinema brasileiro ou do "cinema da retomada", como Abril Despedaçado, Amarelo Manga e Lavoura Arcaica, Walter Carvalho estreia na direção e consegue transpor para a telona a essência do livro de Chico Buarque, seja na complexidade da história seja na narrativa não linear. A direção de atores é segura, o que reflete de certa forma na coesão do elenco, e a direção de fotografia, a cargo de Lula Carvalho, filho de Walter, merece louvor, especialmente pelas tomadas de Budapeste, a cidade amarela, como a capa do livro.
Walter Carvalho topou o desafio, correu o risco e fez o que pôde, a partir do roteiro de Rita Buzzar, para tornar o filme palatável e instigante. A sensação é que ficou no meio do caminho. Não por incompetência, mas por ter escolhido a história errada para estrear na direção.

sábado, 19 de setembro de 2009

Bárbara

Bárbara era uma moça esquisita
dessas que vivem à sombra
das fantasias.

Bárbara talvez não viva mais
nem mesmo figure nas páginas
das folhas locais
ou em algum lupanar de ocasião.

Bárbara decerto vagueia nas nebulosas
procurando abrigo onde não há
o conforto do Albergue da Terceira Idade.

Bárbara envelheceu e levou consigo
boa parte dos meus sonhos,
inclusive o de fazer um poema
de alta resolução para ela.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Os quintais do Tirol


Os quintais do Tirol acolhem árvores generosas e parideiras,
frutos remanescentes da nossa quixotesca memória de emoções.

Quintais são oásis espalhados ao longo do traçado de Polidrelli
onde floresceram vias, de fato, tão caras à distante infância...
Afonso Pena, Rodrigues Alves, Campos Sales...

Esses quintais com seus que tais
assaltavam a imaginação do menino traquinas
afeito às grandes aventuras infantis... jogo de bola,
furto de fruto, queda de árvore e a descoberta do prazer maior.

Grávidos de mangueiras, goiabeiras, sapotizeiros,
os quintais do Tirol guardam ainda segredos inconfessáveis,
sonhos de liberdade, traições bem-intencionadas,
prazeres carnais da cálida e misteriosa noite primeira.

A lembrança dessas quimeras
remete a Petrópolis, Cidade Alta, Alecrim,
outros quintais que avistam e anotam no papiro do tempo
ricas histórias da história tirolesa.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Declaração


Declaro para os devidos fins
que não mais escreverei cartas de amor
nem bilhetes de suicida,
com requintes de chantagem emocional.

Declaro de próprio punho
que de hoje em diante serei somente
razão e equilíbrio. Não discutirei o ciúme
porque esse é negativo
nem vou procurar saber a respeito
de nova amizade colorida da antiga amada.

Declaro ainda que não serei
protagonista de escândalo em mesa de bar,
tampouco baterei o telefone na cara da adúltera
pelo amor próprio ferido. Por sua vez, meu coração
não alterará o ritmo dos batimentos cardíacos
ao pressentir perigo externo
metido em saia.

Declaro por fim que minha libido caducou
e não há mínima chance de revitalização.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"Foi Carmen" e a experiência de saborear Antunes Filho


Na Pompeia, conto as horas para retornar ao rincão natalense depois de 10 dias bem movimentados na megalópole de Oswald e Mário de Andrade. Na segunda-feira, dia 07/09, marquei presença no Cine Julia Lemmertz para conferir "Filmefobia", produto cinematográfico brasileiro dirigido por Kiko Goifman, que mistura realidade e ficção, por meio de experiências com pessoas com algum tipo de fobia. Terça-feira, dia 08/09, presenciei e senti na pele o drama do paulistano quando águas caem em abundância nesta cidade. Loucura e salve-se quem puder. Naquele dia, assisti no HSBC Belas-Artes ao bom filme brazuca "Manhã Transfigurada", rodado nos pampas. À noite, até que enfim, fui apresentado ao teatro de Antunes Filho. "Foi Carmen", em cartaz toda terça no Teatro SESC Anchieta, é um espetáculo apoiado no butô, técnica japonesa de interpretação, no qual Antunes traz à lume o imaginário popular em torno da cantora Carmen Miranda, a Pequena Notável. Também homenageia o centenário do dançarino japonês Kazuo Ohno, mestre da dança-teatro. Antunes construiu com a genialidade de sempre uma partitura de movimentos para encenar um enredo mínimo dando conta de uma menina (Paula Arruda) que sonha em ser Carmen Miranda. Em outros tempo e espaço, um malandro (Lee Thalor) percorre ruas do Rio e tem uma visão da própria (a dançarina convidada Emilie Sugai), um vulto sempre de costas, "porque ela foi, está morta", diz Antunes. Há ainda uma passista (por Patrícia Carvalho). O espetáculo não tem texto nem cenário. Os atores é que introduzem objetos e adereços em cena. Palmas para os figurinos e adereços do mestre JC Serroni. Nada mais do que excelente. Esse trabalho estreou em 2005 no Festival de Curitiba e foi apresentado também no Japão em comemoração ao 100º aniversário de Kazuo Ohno. Agora em 2009 foi retomado. Imperdível sob todos os aspectos. Ontem, quarta, conferi "Brüno", com o ator Sacha Baron Cohen. Escracho do início ao fim. A temporada paulistana acaba e fico devendo a mim mesmo ida à Pinacoteca do Estado para ver a exposição de Matisse. Um pecado imperdoável. Mas esta cidade tem muito evento cultural para ser visto e não dá para cobrir/conferir todos. Bye, bye, Sampa.

domingo, 6 de setembro de 2009

Sampa ferve culturalmente




É vero, senhoras e senhores. Se bem que não é nenhuma novidade para os cultos e cultas que esporadicamente acessam o Nariz de Defunto. Filmes, peças, performances, espetáculos de dança e exposições traduzem a riqueza cultural da Pauliceia. Tenho dedicado-me a conferir o que posso dentro da minha limitação física e geográfica. Nos cinemas da cinzenta megalópole cinza, tive a oportunidade de assistir a cinco filmes, quais sejam Anticristo (Terror, Dinamarca), Almoço em Agosto (Comédia, Itália), A Onda (Drama, Alemanha), Gigante (Drama, Uruguai), Uma Canção de Amor (Drama, França/Tunísia) e Amantes (Drama, EUA). Dos citados, Almoço em Agosto foi o que mais me chamou a atenção. Excelente a comédia de Gianni di Gregório. Depois, vem Gigante, uma produção uruguaia de grande sensibilidade. Anticristo é o último de Lars Von Trier. Peca pela complexidade. Indico ainda Uma Canção de Amor e Amantes. Em relação às peças, vi nos teatros da Praça Roosevelt À Queima-Roupa, Doce Outono, A Casa de Bernarda Alba e Justine. Palmas muitas para A Casa de Bernarda Alba. Mesmo sendo estreia deu para sentir a força do texto de Federico Garcia Lorca. Música para a alma. Detalhe: todos os personagens são interpretados por homens. Bacana mesmo. Justine, espetáculo da Cia. Os Satyros e adaptação da obra do Marquês de Sade, também agradou. O diretor Rodolfo García Vázquez é o novo Zé Celso Martinez Corrêa. A propósito, aprovei a Ocupação Zé Celso, no Itaú Cultural, na avenida Paulista. Fantástico! Ainda na área teatral, vi da plateia minha comédia Os Patrões, em Osasco, montagem da Cia. Artística En'cena. Adorei e dei boas risadas. Obrigado trupe. Outrossim visitei a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato onde assisti ao ensaio do Grupo de Teatro Purãngaw, que tem planos de montar o Repouso do Adônis, de minha autoria. Na seara musical, prestigiei o show do clarinetista e saxofonista Tito Martino, no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura da Paulista. Ele toca jazz tradicional tipo Dixieland e New Orleans. Numa nova postagem, comentarei outros eventos vistos. No momento é só.