sábado, 30 de janeiro de 2010

A primaVera


Naquela manhã
A Primavera despontou novinha em folha ninfeia.
E então desabrocharam lírios, rebentos desse vale,
Que remete às protuberâncias da prima Vera.
Não se sabe ao certo se Ela surgiu (teria sido miragem?),
Ou insurgiu-se contra um rigoroso e desolador inverno.
Só se sabe que trouxe gozo, paixão, tesão e hipertensão.
A boca grená da prima Vera acomodava dentes marfim e língua serpentina.
Os lábios tinham um quê de cálida pimenta.
Já os cabelos medusa arriscavam coreografia ao soprar do terral.


Naquela manhã
Não se rezou missa nem música.
Ouviu-se apenas o canto álacre do passaredo a celebrar a Primavera.
Um tapete floral desarmou a arrogância de presunçosos transeuntes.
Os olhos dos políticos arregalaram-se.
Viram crianças nuas na rua do Abismo.
A Primavera tem esse dom.
Taumaturga Primavera que humaniza o poder.


Naquela manhã
Houve revoada arribaçã,
Barcos partiram do Canto do Mangue.
Por causa da prima Vera maridos traíram as mulheres.
Mas não se pode culpar a prima Vera pelo adultério dos homens.
Lembrai que Ela saciou todos os desejos reprimidos
E as vontades imperiosas.
Visto que
Ontem só havia invernos com neve.
Hoje há coitos sem fim.
E amanhã chuvas de verão.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Roberto Piva na enfermaria


Ao visitar o blog do dramaturgo Mário Bortolotto me deparei com esse pedido de ajuda para o poeta Roberto Piva. Abaixo transcrevo o texto de Bortolotto:


O grande poeta Roberto Piva está internado. Ele tá no HC. Piva não tem plano de saúde. Tá na enfermaria na companhia de outros pacientes. Alguns são evangélicos e rezam a noite inteira, ali onde tem também uma tv ligada (e com certeza não é na Tv Cultura e nem no People and Arts). Piva ainda deve permanecer no hospital por algumas semanas. E se tem uma coisa que eu aprendi com o meu acidente e minha convalescença é que vida no hospital é estação no inferno. Piva ainda deve passar por uma cirurgia da próstata e um cateterismo, segundo informa meu amigo Pinduca (o poeta Ademir Assunção) no blog dele. Piva tem 73 anos de poesia e vida experimental e sofre de Mal de Parkinson. Se me permitem, vou quase que parafrasear o poeta Allen Ginsberg em seu brilhante prefácio para a obra de Gregory Corso e dizer que Roberto Piva é talvez (na minha opinião ele é) o maior poeta brasileiro vivo e nesse momento está internado num hospital público em São Paulo precisando de auxílio. Todo tipo de auxílio é bem vindo. Quem puder ajudar com grana que ele vai precisar e não é pouco, depositem na conta que eu tô transcrevendo aí embaixo. Também peguei o número no blog do Pinduca que é altamente confíavel.

Banco: Itau
Agência: 0036
Conta: 20592-0
CPF: 565.802.828/00

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Desilusão


Cuspo a água do mar

como quem desaprova o amor.

Hoje todos os vômitos

são algozes;

sobretudo minhas lágrimas,

que me afogam

nesta melancolia

de poeta.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Filmes (re)vistos em janeiro de 2010


Sindicato de Ladrões (On the Waterfornt, EUA, 1954). Direção: Elia Kazan. Cotação: Ótimo. Inédito.



O Anjo Exterminador (El Ángel Exterminador, México, 1962). Direção: Luis Buñuel. Cotação: Obra-prima. Revisão.



Alphaville (Alphaville, França, 1965). Direção: Jean-Luc Godard. Cotação: Obra-prima. Inédito.



Os Amantes da Pont-Neuf (Les Amants du Pont-Neuf, França, 1991). Direção: Leos Carax. Cotação: Bom. Revisão.



A Lenda do Pianista do Mar (The Legend of 1900, EUA/Itália, 1999). Direção: Giuseppe Tornatore. Cotação: Ótimo. Inédito.



Milk - A Voz da Igualdade (Milk, EUA, 2008). Direção: Gus Van Sant. Cotação: Bom. Inédito.



Alô, Alô Terezinha (Brasil, 2009). Direção: Nelson Hoineff. Cotação: Bom. Inédito.



Lula, O Filho do Brasil (Brasil, 2009). Direção: Fábio Barreto. Cotação: Bom. Inédito.


sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Espelho


Em cada olhar, assombro;

em cada imagem, ação;

em cada pensamento, espanto;

em cada giro, vertigem;

em cada gesto, intenção;

em cada beijo, tesão;

em cada passo, queda;

em cada dor, sofrimento;

em cada eu, ausência de mim.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O Seridó em poesia

CAICÓ



a cidade, de sol a sol,

principia pelo fim

no poço que, santana, a protege



a cidade, de açude em açude,

afoga os minerais

nas pescarias noturnas transparências



a cidade, de sábado a sábado,

completa o sertão

com seus horizontes mágicos cordéis



a cidade, de rua em rua,

transborda de amor

nos becos bêbados botequins



a cidade, de ponte a ponte,

margeia os rios

da memória fluvial seridó



a cidade, de pedra em pedra,

constrói o branco

de seu silêncio limpo fugidio



a cidade, de festa a festa,

recolhe os frutos

da noite que, sant'ana, se faz julho



Moacy Cirne





CURRAIS NOVOS



Nessa terra mineral

abasteci meus silêncios

com memórias ruminantes,

sinos intocáveis,

cajus frondosos e mel.



Um dia de olaria

deserta

e meus capuchos de sonhos

hão-de florir

algodão valente e doce:



fibras de lã

derrubando as cercas

dos currais.



Iara Carvalho

sábado, 16 de janeiro de 2010

Conto feito de sêmen


Da sua genitália de grandes lábios suculentos começou a jorrar o líquido viscoso e de cheiro inebriante que logo foi inundando o quarto caudalosamente até nos obrigar a nadar naquele rio de sêmen. Desesperado, com água pelo pescoço, puxei Tétis pelo braço, para fora do quarto, na tentativa de nos salvarmos do iminente afogamento. O líquido não parava de jorrar da fonte. Logo começou a inundar também as casas vizinhas, ruas, avenidas, praças e repartições públicas prostituídas da agora cidade-rio de sêmen.
Tomar um barco de assalto foi a solução para continuarmos vivos. E assim fomos, eu e Tétis, navegando em águas turbulentas. Ao longo do percurso – Deus sabe para onde – ficamos maravilhados com uma nova civilização que surgia à nossa frente. Eram jovens lindos, sadios e menos ignorantes que caminhavam felizes e pulavam sobre as águas e jogavam o jogo da amarelinha. Outros preferiam bater bola ou representar papel para uma plateia ávida por grandes espetáculos.
Prosseguimos o nosso périplo fluvial e não nos cansávamos de nos surpreender com os milagres oriundos daquela civilização neófita. Um simulacro do famoso habitante do Lago Ness, ainda pequeno, fez um leve aceno quando passamos por um condomínio de monstros marinhos. Retribuí a mesura e continuei a remar o barco feito um errante navegante. Tudo isso graças à generosa genitália de Tétis provocadora da enchente – quase tsunami – na nossa vida e cidade.
À certa altura da viagem, comecei a pensar na transitoriedade da vida e como somos limitados diante de uma boceta e de uma enchente. Tétis me deu um desmoralizante tapa no rosto quando olhei de esguelha para uma Nereida que entoava cânticos sedutores. Com a face ardendo em brasa, pedi para Tétis beijá-la. Ela sorriu e deu outro tapa na face oposta. O barco balançou. Adorei. Gosto de equilíbrio desequilibrado.
Depois daqueles tapas me senti tentado a fazer amor com Tétis ali mesmo no barco. Ela não opôs resistência. A embarcação trepidou chamando a atenção dos infantes e dos animais que àquela altura já eram muitos e diversos. O coito durou o tempo suficiente para nos afogarmos naquelas águas tépidas da genitália de Tétis. A aventura – agora subaquática - continuou com mais alguns sobressaltos. Depois de séculos tudo voltou ao normal. Sobretudo a prolífica máquina de fazer sêmen de Tétis.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Disperso (6)


Do saber do suicida quero a desordem da ordem;
algo que se esboroa no movimento esférico dos dedos.

Nada do que sei me devora, me corrói, me amputa
- sou ausência de mim mesmo.

Somente o sólido afoga-me
nas vagas do vão pensamento.

Átomo orgia carnaval

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Disperso (5)


Aquele desaforo escrito


num reles guardanapo


guardo-o até hoje,


ressentido,


sob sete mágoas.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O cinema perde Eric Rohmer

Cineasta francês Eric Rohmer deixa legado cinematográfico
O cineasta francês Eric Rohmer morreu nesta segunda-feira (11), em Paris, aos 89 anos, informou a agência de notícias France Presse citando a produtora do diretor Margaret Menegoz. Entre os filmes de Rohmer estão “A colecionadora” (1967), “Minha noite com ela” (1969), “Noites de lua cheia” (1984) e a série “Contos das quatro estações”, filmada ao longo da década de 1990. Um dos maiores expoentes do cinema de arte contemporâneo na França, Rohmer já foi premiado nos principais festivais do cinema indepentende europeu, incluindo Berlim e Cannes. Em 1971, foi indicado ao Oscar pelo roteiro de “Minha noite com ela”. Foi contemporâneo de Jean-Luc Godard, Jacques Rivette, François Truffaut e Claude Chabrol na revista Cahiers du cinéma, da qual Rohmer foi editor de 1957 a 1963. O seu cinema era caracterizado por longos diálogos, quase sempre, filosóficos. De Rohmer só assisti, até agora, dois filmes: Conto de primavera (1990) e Conto de Verão (1996). Uma vergonha para mim. Agora é correr atrás das outras obras. O que já devia ter feito.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Disperso (4)

Auto-retrato de Rembrandt (1640)

No porto do teu dorso edredom
festejo tal qual nababo,
elevo o espírito,
invoco os deuses.

O compasso das tuas pernas
abre a geografia do teu corpo,
antecipa o óbvio coito.

Nada mais me dás do que mereço
nesta batalha de corpos cálidos,
eterna contenda da essência do ser.

A nossa história é um Rembrandt falso
a que, arisco, imperito, me arrisco
no idílio, por acreditá-la legítima.

O resto é pó... esvaece no ar.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Disperso (3)

Soprava o ar quente da tarde de verão
e este esplendor aguçava em mim
o desejo de possuir teu marmóreo corpo
como esculpido com o mais fino formão.

As gotículas estilhaçadas na pele alabastrina
instigavam-me a percorrer tuas estradas
molhadas, sem sinais de advertência,
mas repletas de curvas sinuosas.

Saltava enfim o desafio do amor
– este sentimento ambíguo –
que trazia tempestade e calmaria,
na medida da nossa platônica intimidade.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Mau jornalismo


A fúria do jornalista Franklin Jorge contra o administrador da Fortaleza dos Reis Magos, Pedro Abech, e, por tabela, o presidente da Fundação José Augusto, Crispiniano Neto, e a governadora Wilma de Faria, pegou mal. Franklin Jorge criticou Pedro Abech por supostamente ter comemorado o réveillon com familiares e amigos nas dependências da fortaleza. O que é pura invencionice. Pior foi ter espinafrado Abech por ter produzido folder trocando o nome do "forte" por "fortaleza". Franklin Jorge está totalmente equivocado. O nome correto é Fortaleza dos Reis Magos. Isso qualquer analfabeto sabe. Agora, foda é o editor de cultura do Novo Jornal não saber disso. É muita ignorância.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Poesia épica


Às vezes, inimigo de mim mesmo,

lanço-me às feras, queimo meus navios,

declaro guerra a Troia ou Cartago,

e acabo sempre por amor vencido


Geraldo Carneiro


(in Balada do Impostor, 2006)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Disperso (2)


Ardo em febre.

Não sei quem sou.

Há tílias na praça e caminho rumo ao nada.

Vivo de vagas lembranças do futuro.

Já o presente é esta sombra pesada e imperfeita.

Avisto vozes e ouço imagens distorcidas.


Delírio.


Estanco e retiro a máscara da tragédia.

Não creio em espectros que atormentam culpados.

Decido não seguir adiante.


Prudência.


Há setas que se bifurcam no vazio da noite.

Então, é preciso aguardar a virginal manhã

trazendo luz, conforto e sentido único.


Esperança.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Sentimentos de Bortolotto em relação a seus algozes


Muita gente me pergunta quais são meus sentimentos em relação aos caras que dispararam 4 tiros em mim. Eu queria mesmo era querer que esses filhos das putas se fodessem, mas eu sinceramente não consigo pensar nisso. Não consigo cultivar sentimentos de ódio ou vingança. Não consigo nem pensar nisso. E não é bom mocismo não. É natural. Eu só quero me recuperar logo, ficar sem essa dor filho da puta no braço, voltar a mexer os dedos com desenvoltura (os da mão esquerda estão atrofiados) e voltar a escrever que é o q mais me faz falta. Afinal é muito ironico, né? Levo tres tiros ( o cara disparou 4, mas só acertou tres, o quarto pegou de raspão) e eu tô aqui me fodendo por causa do braço quebrado. Se tivessem sido só os tiros, já tinha corrido na São Silvestre ontem. Um bom começo de ano pra todos vcs. Tô ouvindo Stones com a minha irmã e agora vou tomar aquele banho de tres horas com uma mão só. Reinaldo Moraes veio me visitar e acabou de sair daqui. Queria agradecer a imensa solidariedade dos amigos que fazem até rodizio pra ficar aqui comigo. Não tinha noção. Não tinha mesmo. Os amigos me emocionam.
02 de janeiro de 2010

sábado, 2 de janeiro de 2010

E a festa/farra continua...

Cantora baiana Margareth Menezes faz show em Natal
Depois do auto natalino, shows nacionais, missa show do Padre Fábio e demais gastanças públicas, a Prefeitura de Natal, por meio da Fundação Cultural Capitania das Artes, programa para o dia 05/01, terça-feira, show com a cantora baiana Margareth Menezes lá para as bandas do bairro de Santos Reis, encerrando a programação do Natal em Natal e a tradicional festa religiosa (?). Patrocinado com o dinheiro do contribuinte, o Natal em Natal, sabemos, não atrai turistas. O que atrai turistas são praias, dunas e sol forte. Autos e shows fracotes servem apenas para deixar natalenses alegrinhos no fim do ano. Pelo visto, o ópio continua deixando muito papa-jerimum fora da realidade. Tomar ópio é para quem pode.