"O bebedor de Absinto", de Edgar Degas
Dia desse desenxabido resolvi seguir o conselho de uma amiga e não hesitei em provar um combinado que ela disse tratar-se de uma mistura de Fluoxetina e Absinto. Do Absinto, amigo e inseparável, sabia das propriedades e do sabor. Da Fluoxetina, nonada. “São” Google resolveu a questão. Agora, sei que o medicamento de nome esquisito é um ansiolítico e antidepressivo, comercializado durante anos com o nome de Prozac. Blá-blá-blá.
Tomei o combinado e chamei o elevador. No andar inferior, entrou um casal com uma criança... sem olhos. Até aqui, tudo normal, pois eu não mais distinguia a realidade da fantasia e o real do imaginário. Achei muito criativo quando a criança enfiou dois lápis coloridos nos orifícios oculares, o que me levou a crer que estava diante de Dona Baratinha.
Elevador no térreo, cumprimentei a família e saí do prédio sem rumo para flanar. O lance maior era curtir o barato. Logo, começaram a passar por mim pessoas normais, como o homem com duas cabeças, a mulher serpente, um cachorro que voava e formigas gigantes que devoravam pés inteiros de centenários Ficus benjamina. Bacana era ver a Medusa e a Hidra de Lerna fazendo palavras cruzadas no pino do meio-dia, na Avenida Central. Encantou-me o esoterismo dos dois seres mitológicos e o inusitado da situação.
Ao caminhar ao longo da extensa Avenida vi uma galé com suas dezenas de remos de centopeia navegando próximo a mim num mar plúmbeo sem as brancas ondas. Sorri e respondi ao aceno dos políticos que mesmo presos aos grilhões fingiam felicidade. Chegando à esquina, deparei-me com uma bela mulher... sem cabeça. Fiquei estupefato com o charme, desenvoltura e elegância daquele colosso feminino. Hum, pensei comigo, quem sabe não é chegada a hora de retomar as atividades romântico-amorosas.
Investi meu latim num xaveco até, certo ponto, decente, e consegui levar a mulher misteriosa para o matadouro público. Lá não havia sangue, nem fezes de animais abatidos. Era tudo muito limpo, asséptico e, diria, assustador. Comecei a envolver-me com a bela dona sem cabeça, quando senti a deusa cravar os dentes no meu pescoço. Sim, eu havia conquistado uma vampira. A dor foi intensa, a ponto d’eu sair correndo daquele lugar sombrio, decepcionado com o desfecho da minha conquista amorosa.
Abatido, continuei meu périplo pelas ruas da cidade movido a Fluoxetina com Absinto. Nunca mais consegui discernir realidade de fantasia, real do imaginário. Viajar é preciso, e foi nisso que passei a acreditar quando tomei o combinado. O mundo era meu e isso ninguém podia me negar ou tirar. Nem me mandando para a galé.
Beijai-me agora, e muito, e outra vez mais,
ResponderExcluirDai-me um de vossos beijos saborosos,
E depois, dai-me um desses amorosos,
E eu pagarei com brasa o que me dais.
Com mais dez beijos longos, langorosos,
E assim, trocando afagos tão gostosos,
Gozemos um do outro, em calma e paz.
Eu viva em vós e vós vivendo em mim.
Deixai que vague, pois, meu pensamento:
Não dá prazer viver bem comportada;
Bem mais feliz me sinto, e contentada,
Quando cometo algum atrevimento.
Louise Labé
1524-1566
Passando e colhendo a magia e os mistérios deste espaço iluminado.
Adorei o texto!!!
Com carinho da Fada do Mar Suave.
Paulo,
ResponderExcluirNa minha terra tem um ditado, que diz tudo, que é assim: combinado não é caro. Mas tem que combinar direito antes, depois é sempre tarde pra ir ao Procon...
Absinto-me sempre bem quando venho aqui ou você vai lá no Canto Geral, combinado?
Abraço mineiro,
Pedro Ramúcio.
Fada, obrigado pela visita.
ResponderExcluirO poema da Louise Labé é digno de nota.
Receba meu abraço e minha admiração.
Combinado, Pedro.
ResponderExcluirSeu Canto Geral é alvo do meu interesse. Sempre.
Obrigado pela visita e ótimo fim de semana.
Que visões, que absin-timentos, absinto-rmentos... Real, não-real... Onde a fronteira?... Penso no Guernica, de Picasso. Um desmantelamento de formas. Assim ele via o 'real': deformado... E o mundo está cheio de pessoas 'sem rosto'... As crianças, ensinadas a não ver. Seu texto é (quase) uma alegoria, Paulo.
ResponderExcluirUm abraço, amigo.
De fato, cara amiga, é uma tentativa alegórica.
ResponderExcluirDe vez em quando gosto de ver o mundo distorcido.
A realidade é muito dura... e apavora.
Obrigado pela visita.
Forte abraço.
Paulo Jorge
ResponderExcluirDeliciei-me com o seu texto todo prenchido de imagens surreais. É preciso que se escreva coisas assim! Tudo que fica na linha de fora do convencional, me agrada. Imagine, então, quando é de sua autoria... Bravo!!!
Como sou medrosa, hipocondríaca, não vou arriscar uma dose do combinado, mas que dá vontade, dá, meu amigo...
Bem, fico aqui com o meu insignificante alprazolan 0,25...rs...
Grande abraço, querido!
Uma linda semana para você!
Muito espirituoso seu comentário, Zélia.
ResponderExcluirForte abraço.
Olá...
ResponderExcluirEncontrei seu Blog por acaso.
Achei muito lindo seus poemas.
Parabéns !!!
Simplesmente maravilhoso
ResponderExcluirE eu sou suspeito em falar sobre Absinto...
abraço meu caro
Valeu, Chiara.
ResponderExcluirObrigado pela visita.
Bjins.
Juan, sabe, nunca tomei Absinto.
ResponderExcluirUm dia provarei a Fada Verde.
Abração e obrigado pela visita.
Paulo,
ResponderExcluirseu itinerário, tal um Adof Huxley, é como travessia. E se nonada antes havia, ao menos a alma ficou mais polida.
Forte abraço, grande leitor da realidade subjugada!
Chorei de rir!
ResponderExcluir