segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Retórica

Os fragmentos
do passado
por favor
incinera todos

Nada mais te peço
a não ser
a amnésia
do amor

Mas,
saibas,
a tua loucura
quero-a libertina
como a cálida
dança do ventre

Frase mais que sábia (03)


"Natal, quando eu morrer, apaga-me da memória."

Poeta Ferreira Itajubá

domingo, 29 de novembro de 2009

Frase mais que sábia (02)


"O natalense gasta 200,00 para o vizinho não ganhar 20,00."

Jornalista Cassiano Arruda Câmara

sábado, 28 de novembro de 2009

Frase mais que sábia (01)


"Natal não consagra nem desconsagra ninguém."

Luís da Câmara Cascudo

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Tornatore no Programa do Jô

Ontem foi uma noite iluminada. Após retornar do Espaço Cultural Buraco da Catita, onde vi/ouvi a extraordinária apresentação do pianista Eduardo Taufic e trio, liguei o televisor na TV Globo e para minha surpresa assisti no Programa do Jô entrevista com o mestre do cinema italiano Giuseppe Tornatore. Foram dois blocos com o realizador de Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, 1988, Itália), que considero o maior filme da história do cinema. Sempre que vou revê-lo compro uma caixa de lenços Kleenex. Toca fundo a homenagem que o mestre fez à Sétima Arte. Gosto de cinema poético e simples. Mais do que cinema cabeça. Nem mesmo Ettore Scola, um dos meus cineastas preferidos, com o ótimo Splendor (Splendor, 1988, França/Itália), lançado no mesmo ano de Cinema Paradiso, conseguiu a proeza de me tocar com tal profundidade. Cinema Paradiso reúne todas as qualidades em um só filme. Simpático e elegante, Tornatore falou um pouco de tudo. Do seu começo como funcionário da RAI na Sicília até o lançamento de Baaria, sua mais nova obra que veio lançar no Brasil, por culpa da 5ª Semana de Cinema Italiano, uma realização da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura, com patrocínio da Pirelli. Citou também suas influências que vão desde Alberto Sordi e Dino Risi até Mario Monicelli, passando por Rosellini, Fellini, Visconti, Welles, Kurosawa e tantos outros gênios. Confesso que sou francófono empedernido, mas em matéria de cinema a minha querida França é superada pela Itália. Este é o verdadeiro país do cinema. Do cinema-poesia. Tornatore não me deixa mentir.

Eduardo Taufic e trio aumentam a temperatura no Buraco da Catita

A excelente programação da quinta-feira no Espaço Cultural Buraco da Catita teve o seu auge ontem (26.11) com a apresentação do pianista Eduardo Taufic e o trio composto por Roberto Taufic (guitarra), Airton Guimarães (baixo acústico) e Darlan Marley (bateria). É impressionante como a música instrumental natalense evoluiu nas duas últimas décadas enchendo os papa-jerimuns de orgulho. Foi uma noite quente na Ribeira Velha de Guerra. Literalmente. O quarteto mágico de Dudu Taufic só fez aumentar a temperatura no Buraco da Catita. O set list incluiu vários clássicos da MPB com roupagem jazzística e direito a muita improvisação. Por causa de você (Dolores Duran/Tom Jobim), Samba de Verão (Marcos Valle/Paulo César Valle), Insensatez (Vinícius de Morais/Tom Jobim), Besame Mucho (Consuelo Velázquez), Rosa (Pixinguinha/Otávio de Souza) e Se Eu Quiser Falar Com Deus (Gilberto Gil) tornaram a noite mais sensível e humana. A música tem essa capacidade.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Dia de Outono


Senhor, foi um verão imenso: é hora.
Estende as tuas sombras nos relógios
de sol e solta os ventos prado afora.
Instiga a sazonarem, com dois dias
a mais de sul, as frutas que, tardias,
conduzes rumo à plenitude, e apura,
no vinho denso, a última doçura.

Quem não tem lar já não terá; quem mora
sozinho há de velar e ler sozinho,
escrever longas cartas e, a caminho
de nada, há de trilhar ruas agora,
enquanto as folhas caem em torvelinho.


Rainer Maria Rilke


“Herbsttag” /”Dia de outono”


Tradução de Nelson Ascher

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vinte filmes recomendados do Século 21 (por ordem cronológica)


1. Concorrência Desleal (Concorrenza Sleale), 2001. Itália. Dir: Ettore Scola.
2. As Horas (The Hours), 2002. EUA. Dir: Stephen Daldry.

3. Balzac e a Costureirinha Chinesa (Balzac et la Petite Tailleuse Chinoise), 2002. China/ França. Dir: Dai Sijie.
4. As Invasões Bárbaras (Les Invasions Barbares), 2003. Canadá. Dir: Denys Arcand.

5. Dogville (Dogville), 2003. Alemanha/Dinamarca/Estados Unidos/França/Holanda. Dir: Lars Von Trier.

6. Desde Que Otar Partiu (Depuis qu'Otar Est Parti). 2003. França/República da Geórgia. Dir: Julie Bertucelli.

7. Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, and Good Luck), 2005. EUA. Dir: George Clooney.
8. Fôlego (Soom), 2005. Coréia do Sul. Dir: Kim Ki-Duk.

9. A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen), 2006. Alemanha. Dir: Florian Henckel von Donnersmarck.

10. Como Eu Festejei o Fim do Mundo (Cum Mi-am Petrecut Sfarsitul Lumii), 2006. França/Romênia. Dir: Catalin Mitulescu.

11. Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs), 2006. França/Itália. Dir: Alain Resnais.

12. Quando Estou Amando. (Quand J'Étais Chanteur), 2006. França. Dir: Xavier Giannoli.
13. Um Lugar na Platéia. (Fauteils d'Orchestre), 2006. França. Dir: Danièle Thompson.

14. Baixio das Bestas, 2007. Brasil. Dir: Cláudio Assis.

15. Crimes de Autor (Roman de Gare), 2007. França. Dir: Claude Lelouch.

16. Desejo e Perigo (Se, Jie), 2007. China/EUA/Taiwan. Dir: Ang Lee.

17. O Banheiro do Papa. (El Baño del Papa), 2007. Brasil/França/Uruguai. Dir: César Charlone/Enrique Fernández.

18. Almoço em Agosto (Pranzo di Ferragosto), 2008. Itália. Dir: Gianni di Gregorio.
19. Cleópatra, 2008. Brasil. Dir: Julio Bressane.
20. Rolling Stones – Shine a Light (Shine a Light), 2008. EUA/Inglaterra. Dir: Martin Scorsese.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O porre inaudito


Naufrágio

solidão

fluxo e refluxo

de doudo mar vário.


Vês

o que me afoga nesse Casque D’or;

sufocando na dor, no vômito,

embriaguez de mim mesmo.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Miserê alegórico

O prateado rio

pranteia as palafitas

que levitam

acima dos excrementos

num voo angélico


Na geografia do espaço

a miséria se materializa;

prêt-à-porter

no cais do peito

da preta pobre

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

"Sinédoque, Nova York" mantém vivo o cinema de autor

História de diretor teatral fracassado sempre me interessa, porque sou exemplo típico. Foi esse mote que me levou a assistir, na sessão de arte do Cinemark, no inglório horário das 14hs, ao filme Sinédoque, Nova York (EUA, drama, 124 min., 2008), do agora também diretor Charlie Kaufman, famoso por roteirizar filmes do lastro de Adaptação, Quero Ser John Malkovich e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, para citar alguns.
Nestas poucas linhas tentarei explicar o inexplicável enredo do filme: Caden Cotard (Phillip Seymour Hoffman) é um dramaturgo e também diretor de teatro casado com a artista plástica Adele Lack (Catherine Keener). Dessa união, nasce Olive. Assim como a carreira, seu casamento vai desabando. A mulher e a filha pequena se mudam para a Alemanha com a desculpa de uma exposição e por lá ficam. Nesse ínterim, Caden ganha uma poupuda bolsa/patrocínio e resolve montar uma peça contando sua vida.
A partir daqui o filme dá uma guinada. Ninguém mais segura a imaginação e os delírios do roteirista/diretor Charlie Kaufman. O personagem Caden Cotard vai se perdendo no meio do caminho e a peça entra dentro de outra peça e os atores viram personagens reais que viram personagens da peça que precisam de outros atores para interpretá-los, e assim Kaufman cria um intrincado labirinto fílmico, que acaba atordoando e confundindo o espectador. Puro exercício audiovisual-semiótico-surreal.

Na minha ideia, Kaufman quis comunicar de uma forma não linear e não objetiva a própria existência humana, porque há um momento na vida que paramos e nos fazemos antigas indagações filosóficas que até hoje perturbam a humanidade: "O que é a vida? O que é a morte? O que é a existência?". Certamente, Kaufman está longe de responder essas questões, mas dá algumas pistas, mesmo sinuosas, quando Caden, velho e às portas da morte, quastiona a existência dele/nossa no planeta.

Como era de esperar, Philip Seymour Hoffman paga o ingresso na pele de Caden Cotard. Sinédoque, Nova York é para ser digerido aos poucos, de preferência num ritual antropofágico. Agora, não seria deselegante de minha parte - creio que não - pedir a Charlie Kaufman para reduzir o filme em meia hora.

domingo, 15 de novembro de 2009

A "Meca" pessoal e intransferível de Cleide Yáconis

Numa cidade como Natal, onde o teatro é tratado como artigo de quinta categoria, é difícil assistir a um bom espetáculo local e mesmo de outras partes do Brasil, vez que o grosso da produção que vem para a cidade - quando vem - é constituído de espetáculos caça-níqueis, geralmente com atores e atrizes sem talento do Projac.

Essa rotina foi quebrada neste fim de semana, de 13 a 15 de novembro, pela minitemporada do espetáculo "O Caminho Para Meca", protagonizado pela atriz Cleide Yáconis, que juntamente com Fernanda Montenegro e Nathália Thimberg, representam, na minha concepção, a trinca de "damas" do teatro brasileiro. Era desejo antigo ver Cleide Yáconis em cena. Em que pese a voz está por um fio - a atriz conta com 84 anos de idade - deu para testemunhar a técnica apurada, a leveza da interpretação, a fé cênica e a generosidade da irmã de Cacilda Becker, ao emprestar corpo, voz e mente para Helen Martins, uma escultora sul-africana não convencional tanto na arte como na vida.

A personagem é inspirada em Helen Elizabeth Martins, autêntica artista outsider nascida e criada em uma pequena comunidade branca da África do Sul, no meio do deserto. Helen é uma mulher de costumes conservadores e cultos obrigatórios da fé protestante. Ao mesmo tempo em que descobre nunca ter amado o bom homem com quem foi casada, abandona a igreja dos domingos porque deixou de crer e, ao ficar viúva, encontra em suas mãos de escultora o caminho de sua liberdade pessoal e a felicidade de criar sua "Meca".

Helen recebe a visita da amiga Elsa – vivida pela ótima atriz Patrícia Gaspar – admiradora de suas obras, e também do pastor local, interpretado pelo ator Cacá Amaral, que se preocupa com sua ausência na igreja e na pequena vila. Por meio desses encontros, os três discutem temas como a vida, a solidão, o talento, as dificuldades da idade, a amizade e a confiança dos personagens, afora o apartheid. Humano, demasiadamente humano.

Com direção segura de Yara de Novaes, "O Caminho Para Meca" dá uma chance a mais ao espectador de conhecer melhor sua condição humana entre humanos. O cenário é projetado com paredes imaginárias, deixando à mostra os ambientes e os objetos de cena, e a luz merece destaque especial pela sutileza. Uma boa iluminação, a mais das vezes, tem que ser concebida e operada com muita discrição, destacando nuances da encenação e das passagens de tempo
A boa escrita do texto é pelo dramaturgo sul-africano Athol Fugard – um dos mais importantes da língua inglesa na atualidade. Por suas várias qualidades, "O Caminho Para Meca" é um espetáculo que vale a pena ser visto. Para quem gosta de bom teatro ainda dá tempo de conferir a peça hoje (15), às 20 horas, no Teatro Alberto Maranhão. É bom frisar que a récita tem o patrocínio do Banco do Brasil, por meio do Centro Cultural Banco do Brasil itinerante.




sábado, 14 de novembro de 2009

Oficina Irritada


Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

De CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Óleo de ALMADA NEGREIROS


sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Dez álbuns essenciais do rock progressivo brasileiro


Som Imaginário - Som Imaginário (1970).

Mutantes - Tudo Foi Feito Pelo Sol (1974).

Som Nosso de Cada Dia - Snegs (1974).

Casa das Máquinas - Lar de Maravilhas (1975).

A Barca do Sol - Durante o Verão (1976).

O Terço - Casa Encantada (1976).

14 Bis - 14 Bis II (1980).

Bacamarte - Depois do Fim (1983).

Sagrado Coração da Terra - Sagrado Coração da Terra (1984).

Quaterna Réquiem - Velha Gravura (1990).
































quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Só Egberto Gismonti salva



A espera valeu a pena. Depois de hiato de 30 anos, ontem (10.11) tive o prazer de rever o multi-instrumentista Egberto Gismonti no palco do Teatro Alberto Maranhão. A primeira vez foi em 1979 pelo Projeto Pixinguinha. Egberto viera com o fantástico grupo Academia de Danças, incluindo músicos da magnitude de Mauro Senise, Zeca Assumpção, Robertinho Silva e Aleuda, dividindo o palco com as cantoras Olivia Byington e Marluí Miranda. Dos cinco shows realizados, vi três. Algo para guardar eternamente na memória. Simplesmente olímpico.

Ontem Egberto se apresentou solo. Foram dois momentos mágicos e sublimes. No primeiro, o mestre e seus violões de múltiplas cordas. O movimento dos dedos acompanhando os voos da mente e eu apoplético na poltrona diante do nosso instrumentista maior. A agilidade/genialidade continua a mesma. No segundo momento, o mestre tocou o piano. Outro show de excelência musical. Identifiquei as composições "Karatê", "Palhaço", "Baião Malandro" e as releituras dos clássicos de Villa-Lobos, como "O Trenzinho do Caipira" e a "Bachiana nº 5". Noite para não esquecer Gismonti e noite para esquecer a mediocridade das nossas fundações culturais, visto que a arte venceu a barbárie.

É de bom tom registrar que o show de Egberto só foi possível graças ao Banco do Brasil, por meio do Centro Cultural Banco do Brasil itinerante, que patrocinou a vinda dele e da cantora mineira Déa Trancoso responsável pela abertura com seus "meninos e meninas". Déa faz uma música mineirinha e ribeirinha das bandas do Vale do Jequitinhonha que vale a pena ser ouvida/sentida. O projeto chama-se Vozes de Mestres - Festival Internacional de Cultura Popular. Ponto para o CCBB que respeita a cultura brasileira. Ai, meu Deus, como seria bom uma filial do CCBB em Natal. Talvez muita coisa mudasse culturalmente neste burgo cascudiano. Agora, quero ver na próxima sexta a diva Cleyde Yáconis no espetáculo "O caminho para Meca", no mesmo palco. Assim o mês de novembro estará ganho. Amem/amém.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A moça que chorava no metrô


Uma das grandes vantagens das mulheres sobre nós é a coragem, o destemor, de chorar em público. Se o choro vem, as mulheres não congelam as lágrimas, como os moços, pobres moços... Não guardam as lágrimas para depois, como sempre adiamos, não levam as lágrimas para chorar escondidos em casa.

Pior ainda é o homem que não chora nunca. Além de fazer mal ao coração, esse tipo não merece muita confiança. As mulheres não, falo da maioria das moças, desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal de amor, choram na firma, no escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, simplesmente choram.

Como invejo as lágrimas sinceras das fêmeas.

Quantas vezes a gente não se preserva, por fraqueza, enquanto as lágrimas, em cachoeira, batem forte no peito machista e viram apenas pedras do gelo do uísque.

Como invejo as mulheres que misturam sim o trabalho com o drama heavy metal da existência.

Desconfio da frieza profissional, das icebergs de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o travesseiro solitário numa noite de inverno.

Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares... e chorarem um atlântico diante de uma alma perra, de uma alma cachorra, de alma vira-lata e sem cuidados, essa é a grandeza.

Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos bares, nos restaurantes, nos busões, nas malocas, no táxi. São antes de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o mais verdadeiro dos choros. O medinho do macho diante do pênalti que vale uma vaga no torneio da dignidade.

Triste dos que acham que não levam a sério, que tratam como sintomas da TPM e chiliques do gênero, que fracasso. Ora, até mesmo os choros de varejo, não importam as causas, são comoventes. Chorar engrandece. Fazer amor depois de lágrimas, então, é sentir o sal da vida sobre os olhos, romanticamente, sem medo de ser ridículo, brega, cafona, São Waldick nos proteja, amém.

Coitados dos que escondem suas lágrimas

Acabei de testemunhar uma dessas lindas e corajosas moças, chorava no metrô da avenida Paulista, aqui entre a Consolação e o Paraíso, as estações que nos separam.

Por que chorava aquela moça?

Sempre acho que todo choro é ou deveria ser por amor, que me perdoem a pobre rima antiga com a dor.

Uma grande dívida nunca nos põe a chorar de verdade. Por um familiar, choramos diferente. Desemprego? Não. Se não teríamos um Tietê, um Capibaribe, um Paraíba, um São Francisco a cada segunda-feira, cada esquina, lágrimas que manchariam a tinta dos classificados e seus quadradinhos lógicos, portas na cara, quem sabe da próxima, projeto ilusões perdidas...

A moça não escondia os soluços do choro. Terá discutido a relação, a velha D.R., à boca da estação Paraíso? Veste roupa de trabalho sério, e chora. Daqui a pouco estará sentada na sua cadeira de secretária, exímia, bilíngue, a serviço da grana “que ergue e destrói coisas belas”.

Teria levado um pé-na-bunda, um fora? Teria visto o casamento pelo binóculo do sr. Nelson Rodrigues? Perdoa-me por me traíres?

A moça que chorava no metrô sabia que o amor é como as estações da avenida Paulista, começa no Paraíso e termina na Consolação.


Xico Sá

domingo, 8 de novembro de 2009

Poema de Zila Mamede

Bois dormindo


A paz dos bois dormindo era tamanha

(mas grave era tristeza do seu sono)

e tanto era o silêncio da campina

que ouviam nascer as açucenas.



No sono os bois seguiam tangerinos

que abandonando relhos e chicotes

tangiam-nos serenos com as cantigas

aboiadeiras e um bastão de lírios.



Os bois assim dormindo caminhavam

destino não de bois mas de meninos

libertos que vadiassem chão de feno;



e ausentes de limites e porteiras

arquitetassem sonhos (sem currais)

nessa paz outonal de bois dormindo.



Zila Mamede

sábado, 7 de novembro de 2009

A respeito do Moviecom


Estou cada vez mais convencido de que Natal é um dos cus do mundo. Tem coisa que só ocorre na Cidade dos Reis Magos. Ontem, por exemplo, me dirigi ao Moviecom Praia Shopping para prestigiar a estreia de O Visitante (The Visitor, EUA, 104 min., 2007), em sessão única às 17h15. Na bilheteria fui informado pela funcionária que o filme não havia chegado. Argumentei que tinha cortado a cidade de leste a sul (Cidade Alta-Ponta Negra) para ver o tal filme. A moça, coitada, como solução me indicou o hollywoodiano Código de Conduta que está em cartaz praticamente no mesmo horário de O Visitante. Quase ri na cara dela. Logo eu que detesto cinemão ou algo parecido. Disse à funcionária que só assistia a filmes de arte e fui flanar no shopping. Não é a primeira vez que isso acontece comigo no Moviecom. Respeito ali com o consumidor passa longe. Dia desse ocorreu o mesmo em relação ao ótimo filme israelense O Limoeiro, que depois assisti no Cinemark, outro complexo de cinemas que também não respeita o cliente. Enfim, moro em Natal, cidade comandada por Micarla de Sousa e que tem como presidente da Capitania das Artes o jornalista Rodrigues Neto. Pouco, humanidade?

Bom, para quem quiser apostar ainda no Moviecom e no filme em questão, segue abaixo a sinopse. Ah, não esqueçam de desligar os aparelhos sonoros na sala de exibição. É importante.

O Visitante. Sinopse: Walter Vale (Richard Jenkins), um solitário professor de Connecticut, recentemente viúvo, vê-se forçado a regressar a Nova Iorque para assistir a uma conferência e encontra o seu apartamento de Manhattan ocupado por um jovem casal de imigrantes ilegais. Depois de esclarecida a intromissão, Vale convida o casal - um jovem músico sírio chamado Tarek e a sua namorada senegalesa - a ficarem temporariamente vivendo com ele. Uma improvável amizade acaba por se desenvolver entre o pacato Professor Vale e o vibrante Tarek, mas os bons momentos depressa são perturbados pela injusta prisão de Tarek e a ameaça da sua possível deportação. Vale, que está determinado a ajudar, inicia uma verdadeira cruzada pela libertação de Tarek.
Direção: Thomas McCarthy
Roteiro: Thomas McCarthy
Fotografia: Oliver Bokelberg
Música: Jan A.P. Kaczmarek
Edição: Tom McArdle

Elenco:
Richard Jenkins - Walter Vale
Haaz Sleiman - Tarek Khalil
Danai Gurira - Zainab
Hiam Abbass - Mouna Khalil
Marian Seldes - Barbara
Maggie Moore - Karen
Michael Cumpsty - Charles
Bill McHenry - Darin
Richard Kind - Jacob
Tzahi Moskovitz – Zev
Amir Arison - Senhor Shah
Neal Lerner - Martin Revere

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Para sempre Torquato!!!


Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo, sem medo. É inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores. É destruir a linguagem, e explodir com ela!


Os poetazinhos que proliferam por aí, nestas horas de kyries e medos mixurucas, não passam de free-lancers do funcionalismo público: poetas, pintam muito pouco.


Poetar é simples. Como dois e dois são quatro, sei que a vida vale a pena... Difícil, é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil, é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil, pra quem não é poeta, é não trair sua poesia que, pensando bem, não vale nada, se você está sempre pronto a temer tudo: menos o ridículo de declarar versinhos sorridentes, e sair por aí, ainda por cima, sorridente mestre de cerimônias, herdeiro da poesia dos que levaram a coisa até o fim, e continuam levando, graças a Deus.


Poesia! Acredite na poesia e viva! E viva ela. Morra por ela se você se liga, mas, por favor, não traia. Resista, criatura! E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar.
Torquato Neto

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Cor do Paraíso: metáfora sobre a liberdade


Na minha ideia filmes nos levam a uma reflexão sobre a condição humana. Em verdade, penso que é esse o propósito do cinema. Mesmo a pior comédia hollywoodiana - qualquer uma com Wesley Snipes, por exemplo - sempre deixa algo para ser questionado. E como. Faço este preâmbulo como introdução ao comentário crítico do filme A Cor do Paraíso (Rang-e Khoda, Irã, 86 min., 1999), do consagrado diretor Majid Majidi. Talvez o filme não seja novidade para aqueles que acessam este blog. Mas, morando em Natal, só agora tive a honra de ver a obra em DVD. Encantador. É o mínimo que posso afirmar.
A Cor do Paraíso é um dos mais bonitos e emocionantes filmes dos últimos tempos. Por meio da história de Mohammad (Mohsen Ramezani) um menino cego, de verdade, Majid Majidi constroi uma bela metáfora da condição humana e, por conseguinte, da liberdade e do Irã que não conhecemos, com seus bosques, florestas, flores, mar e pássaros, o que resulta numa fotografia deslumbrante. Mohammad mora numa escola para deficientes visuais. Nas férias, volta para seu vilarejo no interior do país, onde convive com as irmãs e sua adorada avó. O pai, que é viúvo, se prepara para casar novamente. Mohammad é um garoto muito vivo, que tem uma enorme sensibilidade, sobretudo para se relacionar com pássaros que sugerem liberdade. Seu jeito simples de "ver o mundo" é uma lição de vida.
Com o argumento de "ser o melhor para o garoto", o irascível pai de Mohammad o tira do convívio familiar e o manda para uma marcenaria, onde o mestre também é cego. Num diálogo comovente, o garoto questiona Deus e sua própria condição de cego, afirmando que ninguém gosta dele por ser deficiente visual. De arrepiar. Neste ínterim, sua avó morre e o pai leva um pé na bunda da noiva. Só resta ao genitor de Mohammad, trazê-lo de volta para o vilarejo. Então, o pior acontece. A ponte de madeira cede e Mohammad e cavalo caem ribanceira abaixo. Depois de descer a correnteza do rio atrás do filho, o pai o encontra na faixa de areia. Ele abraça o rebento aparentemente morto. No fim da cena, o menino mexe a mão. Metáfora de esperança.
A cegueira de Mohammad é a cegueira de nós ocidentais que pensamos que a liberdade é "uma calça velha azul e desbotada". O jeans nosso de cada dia nos cega e idiotiza diante de uma cultura "estranha" como a iraniana. Majid Majidi não é um qualquer. Sabe onde está a ferida e coloca o dedo nela. O Irã alegre e colorido do filme é o país que o diretor sonha e que a mídia esconde. Do Irã conhecemos guerras, destruição, deserto, montanhas íngremes e fanatismo religioso. Com outra obra-prima no currículo, o fabuloso Filhos do Paraíso, o diretor direciona sua lentes para um Irã humano. O Irã de Mohammad e de suas irmãs com sonhos de liberdade.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Poema de Myriam Coeli


Marinha

O mar, sacudido pela viração, desata seu canto. As rochas parecem mover-se palpitantes — pássaros de pedras — na solidão. Agita-lhes os braços esverdeados das ondas inquietas. Braços de ondas que se enroscam nas pedras e oferecem flores de espumas. O mar se movimenta em seu volume verde vivo. Canta e vive. Sacode-se em ondas e dança na tarde, numa ilimitada alegria de luz. Sacode-se, dança e vive. Palpitante de vida, trêmulo de músicas, o mar desliza na tarde numa tocante comunicação de beleza. Há pássaros, gritos de pássaros, trinados de pássaros em seu canto. Há maior que o canto, a solidão imensa desse mar que se arrasta numa inconseqüente alegria, numa inútil palpitação e numa incompreendida harmonia. O mar é o mistério. É a própria solidão.
As pedras caminham. Há uma procissão de rochas no silêncio da tarde. Elas caminham pelo mar, sem destino, caminham dia e noite, incansáveis, insofridas. Perdem-se sob uma nuvem de espumas, reaparecem escuras e desalentadas e caminham em sua resignação.
O mar apenas se importa com o canto. Porém, há outros motivos que se harmonizam com sua indecifrável beleza. Velas douradas que se incendeiam na luz do sol que envelhece. Peixes de dorso brilhante fazem cambalhotas, traçam elipses com seus corpos esguios e se aprofundam nas águas inconstantes. Búzios coloridos guardam vozes estranhas e toda uma vegetação palpita e se desenvolve no segredo dessas águas milenares...

Myriam Coeli

(In A República, 20/ 10/ 1957)