segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Taxidermia

Na madrugada desta segunda-feira tive a oportunidade de assistir em DVD a um filme bizarro, grotesco e medonho. Fazia tempo que não via nada igual. Taxidermia (Hungria, 90 min, 2006) é inspirado nos contos do escritor Lajos Parti Nagy e realizado por György Pálfi. O filme envolve-nos numa insólita e fascinante narrativa, que atravessa várias décadas e nos revela três gerações de homens com obsessões e comportamentos muito peculiares. A história da Hungria e da Europa Central é apresentada por meio da vida de um avô, pai e filho. O avô é soldado do exército comunista na Primeira Guerra Mundial e passa os dias masturbando-se num vilarejo minúsculo e entediante. Esconde-se no banheiro coletivo local para ver as mulheres urinarem e, com a imagem da nudez em mente, se alivia antes de dormir. O diretor não economiza nos barulhos nojentos e cenas repugnantes, como o soldado fazendo sexo com uma leitoa abatida, do pênis sair um jato de fogo e, por fim, um galináceo dando-lhe uma bicada no membro. Ele termina morto pelo comandante e seu filho nasce com um rabo de porco.
Na segunda parte, o filho, já sem o rabo, se torna um obeso mórbido depois de participar, desde criança, de concursos em que o campeão era o que ingeria a maior quantidade de comida. Apaixona-se por uma mulher bem gorda, também competidora na modalidade, e com ela terá uma lua de mel bastante igual a de tantos outros casais – os quilos a mais não impedem o clima romântico, regado a "Samba da Bênção", de Baden Powell e Vinícius de Morais, na interpretação de Bebel Gilberto. Dessa relação nasce o representante da terceira geração, o raquítico taxidermista do título, que passa a vida empalhando animais e a si mesmo, guardando seu próprio corpo para a eternidade.
O roteiro parte de contos escritos por Lajos Parti Nagy; a trilha sonora, muito bela, é assinada por Amon Tobin, compositor que nasceu no Rio de Janeiro e faz parte da vanguarda chique europeia – suas músicas não saem das trilhas das coreografias de Pina Bausch. Enfim, há uma certa sofisticação nos temas, na crítica ao regime comunista, na maneira como a sociedade atual discrimina os obesos, na intricada elaboração dos planos-sequência e no inteligente uso da câmara digital. Mesmo a reconstituição de época e nos cenários estilizados percebe-se que o diretor teve educação tanto cinéfila quanto humanística. Sua verborragia não é acidental nem muito menos gratuita.
Palfi, o diretor, chega a recriar conto de Hans Christian Andersen dentro de um exemplar de "A Menina dos Fósforos", além de conseguir, com um giro de 360 graus numa mesma banheira (plano impressionante), perpassar toda a história e resumir as intenções do filme. Enfim, é o que Peter Greenaway fazia quando ainda estava com gás.
Original, Taxidermia é cativante. Sua narrativa vertiginosa é perfeita para seu universo massacrante do regime soviético e da sociedade atual. Sua “feiúra” é sensual, barroca, tocante, enquanto a beleza é fria, cerebral, anódina. Não é um filme para estômagos fracos, talvez por isso não ter entrado em circuito comercial no Brasil. O filme foi galardoado com vários prêmios internacionais, entre eles o Prêmio do Público na edição do Fantasporto 2007. Precavenham-se de possíveis vômitos. Eu estou me precavendo ouvindo Miucha & Antônio Carlos Jobim, com participação especial de Chico Buarque. Nada como uma noite atrás da outra.

4 comentários:

  1. Oi, meu caro,
    fiquei bastante curioso sobre o filme em pauta a partir de sua leitura crítica. No CCBB, sexta passada, também vi um filme bastante buzarro: o 'Drácula' (2002), do canadense Guy Maddin. Pretendo falar sobre ele ainda esta semana.
    Um abraço.

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  2. Caro amigo Paulo

    Quando terminei a leitura do filme aqui citado por vc lembrei-me de algo:

    Quando nos conhecemos, fiquei encantada com a forma delicada em que vc fez a narrativa de um filme que tinha acabado de ver, era sobre um fazendeiro que precisava da mão-de-obra feminina para os trabalhos no campo...me encantei qdo disse-me da emoção que sentiu, das cenas singelas, qdo uma moça ocupou o lugar da esposa morta, falha-me a memória o nome agora desse filme, mas saiba que jamais poderei esquecer da forma encantadora dos detalhes narrados por sua brilhante memória e percepção, confesso que eu senti as cenas, senti o vento da fazenda, e tb imaginei os aromas daquela história...

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    Confesso tb que filmes como esse aqui o "Taxidermia" tb uma grande arte, por sinal - vencedor de vários prêmios, tb está na minha lista!
    Agradeço por apresentar!
    abraço grande e percebi que está bem acompanhado, ao som dos grande da mpb.
    "...Se lembra da fogueira
    Se lembra dos balões
    Se lembra dos luares dos sertões
    A roupa no varal, feriado nacional
    E as estrelas salpicadas nas canções
    Se lembra quando toda modinha falava de amor..."

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  3. Paulo, sou louco para ver esse filme. Onde vc o conseguiu? Abraço!

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  4. Cefas, um amigo baixou o filme na net e me emprestou. Ficarei até sábado com o DVD. Se quiser assistir, me dê um toque. Abração e volte sempre.

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