sábado, 30 de janeiro de 2010

A primaVera


Naquela manhã
A Primavera despontou novinha em folha ninfeia.
E então desabrocharam lírios, rebentos desse vale,
Que remete às protuberâncias da prima Vera.
Não se sabe ao certo se Ela surgiu (teria sido miragem?),
Ou insurgiu-se contra um rigoroso e desolador inverno.
Só se sabe que trouxe gozo, paixão, tesão e hipertensão.
A boca grená da prima Vera acomodava dentes marfim e língua serpentina.
Os lábios tinham um quê de cálida pimenta.
Já os cabelos medusa arriscavam coreografia ao soprar do terral.


Naquela manhã
Não se rezou missa nem música.
Ouviu-se apenas o canto álacre do passaredo a celebrar a Primavera.
Um tapete floral desarmou a arrogância de presunçosos transeuntes.
Os olhos dos políticos arregalaram-se.
Viram crianças nuas na rua do Abismo.
A Primavera tem esse dom.
Taumaturga Primavera que humaniza o poder.


Naquela manhã
Houve revoada arribaçã,
Barcos partiram do Canto do Mangue.
Por causa da prima Vera maridos traíram as mulheres.
Mas não se pode culpar a prima Vera pelo adultério dos homens.
Lembrai que Ela saciou todos os desejos reprimidos
E as vontades imperiosas.
Visto que
Ontem só havia invernos com neve.
Hoje há coitos sem fim.
E amanhã chuvas de verão.

2 comentários:

  1. A revoada arribaçã é como um rio cortante. Quando ocorre em meio a minha insônia geralmente me concede ótima poesia. Mas na sua manhã, ela povoa um mundo já saído de missas e rumando a uma música feliz. Gostei demais!!!

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  2. Me lembrou as poesias de Manuel de Barros: doces e altamente alucinógenas.

    "Os lábios tinham um quê de cálida pimenta.
    Já os cabelos medusa arriscavam coreografia ao soprar do terral"

    "Hoje há coitos sem fim.
    E amanhã chuvas de verão."

    Lindo ao extremo! Parabéns Paulo!

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