sábado, 31 de julho de 2010

"Be bop baby" de Mário Bortolotto

Lendário trompetista Dizzy Gillespie em foto de 1947


BE BOP BABY

Qual é a do trompetista
que dança de um jeito engraçado
que não sabe olhar o cardápio
que sempre perde no jogo de dados
e sempre canta a mulher errada
Qual é a do trompetista
que tem um gato gordo
que expele perdigotos
e não mede esforços
pra ser expulso do clube
Qual é a do trompetista
que dichava uns bops
e num golpe de sorte
ganhou uma passagem pra Miami
de uma loira peituda metida a madame
Qual é a do Negão
cheio de chinfra
dando uns tecos no orelhão da esquina
chamando gambé de “meu truta”
passando na cara um bando de puta
Qual é a do sacana escolado
mandando um ácido
passando um cagaço
no meio da viagem
jogando copos contra a parede
Afinal qual é a dele?

Qual é a do sujeito triste
mamado de whisky
chorando sozinho
tocando esse jazzinho
que só não me rasga o peito
porque já descobri que sou assim
torto e errado
meio whisky batizado
pó malhado de pirlimpimpim
Pra vocês meus amores
pra toda a vida e todo o sempre
O pior de mim
Mário Bortolotto

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Outras palavras

A intenção da música é homenagear a palavra, mais especificamente as possibilidades sem fim da língua portuguesa, reinventando-a. Como um Rosa pop, pós-moderno ou contemporâneo, escreve Caetano: "Ouraxé" nas "palávoras" pode "orgasmaravalha-me". Que tal vocês?

Outras palavras

(Caetano Veloso)

Nada dessa cica de palavra triste em mim na boca

Travo, trava mãe e papai, alma buena, dicha louca

Neca desse sono de nunca jamais nem never more

Sim, dizer que sim pra Cilu, pra Dedé, pra Dadi e Dó

Crista do desejo o destino deslinda-se em beleza:

Outras palavras

Tudo seu azul, tudo céu, tudo azul e furta-cor

Tudo meu amor, tudo mel, tudo amor e ouro e sol

Na televisão, na palavra, no átimo, no chão

Quero essa mulher solamente pra mim, mais, muito mais

Rima, pra que faz tanto, mas tudo dor, amor e gozo:

Outras palavras

Nem vem que não tem, vem que tem coração, tamanho trem

Como na palavra, palavra, a palavra estou em mim

E fora de mim

quando você parece que não dá

Você diz que diz em silêncio o que eu não desejo ouvir

Tem me feito muito infeliz mas agora minha filha:

Outras palavras

Quase João, Gil, Ben, muito bem mas barroco como eu

Cérebro, máquina, palavras, sentidos, corações

Hiperestesia, Buarque, voilá, tu sais de cor

Tinjo-me romântico mas sou vadio computador

Só que sofri tanto que grita porém daqui pra a frente:

Outras palavras

Parafins, gatins, alphaluz, sexonhei da guerrapaz

Ouraxé, palávoras, driz, okê, cris, espacial

Projeitinho, imanso, ciumortevida, vivavid

Lambetelho, frúturo, orgasmaravalha-me Logun

Homenina nel paraís de felicidadania:

Outras palavras

sábado, 24 de julho de 2010

PARA ACABAR COM O JULGAMENTO DE DEUS

Ator, autor, diretor teatral e poeta francês, Antonin Artaud


TUTUGURI

Rito de Sol Negro


E lá embaixo, no pé da encosta amarga,
cruelmente desesperada do coração,
abre-se o círculo das seis cruzes
bem lá embaixo
como se incrustada na terra amarga,
desincrustada do imundo abraço da mãe
que baba.
A terra do carvão negro
é o único lugar úmido
nessa fenda de rocha.
Rito é o novo sol passar através de sete pontos antes de explo -
dir no orifício da terra.
Há seis homens
um para cada sol
e um sétimo homem
que é o sol
cru
vestido de negro e carne viva.

Mas este sétimo homem
é um cavalo,
um cavalo com um homem conduzindo-o.
Mas é o cavalo
que é o sol
e não o homem.
No dilaceramento de um tambor e uma trombeta longa
estranha,
os seis homens
que estavam deitados
tombados no rés-do-chão,
brotaram um a um como girassóis,
não sóis

porém solos que giram,
lótus d’água,
e a cada um que brota
corresponde, cada vez mais sombria
e refreada
a batida do tambor
até que de repente chega a galope, a toda velocidade

último sol,
o primeiro homem,
o cavalo negro com um
homem nu,
absolutamente nu
e virgem
em cima.
Depois de saltar, eles avançam em círculos crescentes

e o cavalo em carne viva empina-se
e corcoveia sem parar
na crista da rocha
até os seis homens
terem cercado
completamente
as seis cruzes.
Ora, o tom maior do Rito é precisamente
A ABOLIÇÃO DA CRUZ

Quando terminam de girar
arrancam
as cruzes do chão

e o homem nu
a cavalo
ergue
uma enorme ferradura
banhada no sangue de uma punhalada.


ANTONIN ARTAUD, Le Mômo (1896 - 1948)

Texto-poesia retirado de uma transmissão radiofônica - intitulada "PARA ACABAR COM O JULGAMENTO DE DEUS" - realizada por Artaud (como autor e narrador) e por alguns de seus amigos (Roger Blin, Marie Casarès e Paule Thévenin), que além de narrarem o ajudaram na produção dos efeitos sonoros durante a transmissão.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

UBE/RN divulga programação do Dia do Escritor

UBE/RN promoverá debate com intelectuais no Dia do Escritor
DIA DO ESCRITOR
(25 DE JULHO)


PROGRAMAÇÃO

Debate: "Do Ofício de Escrever".

Local: Livraria Siciliano (Midway Mall).

Horário: 16 hs.

Moderador: Eduardo Gosson – UBE/RN (Tarcísio Gurgel – UBE/RN , Geralda Efigênia - SPVA e Iara Maria – Casarão de Poesia).

Atalhos

I

Da argola
D
E
S
V
I
O
Expurgo
o aço frio
do grilhão
r c r a d
e o t n o
a sépia estampa
l m
da a g e a
que oprime
o peito

II

Arrisco
no guidão
do velocípede
velocipeidando
pelas vielas
da cidade libertina
P
r
o
s t i t u t a
b
u
S
romana

III

Vereis
a liberdade
está bêbada
move-se ao rufar
do tambor
na corda bamba
do delírio circense

domingo, 18 de julho de 2010

Estrela da manhã

Poeta maior da língua portuguesa no Século XX


Eu queria a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda à parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário
Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Pecai com malandros
Pecai com sargentos
Pecai com fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
[comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda à parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.
Manuel Bandeira

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Cacos


Primeiro,
pensei que fosse morrer afogado na Lagoa do Bonfim...

Segundo,
que o câncer me consumiria os intestinos...

Terceiro,
o derrame era uma certeza...

Por fim,
escapei com vida de todos os possíveis óbitos...

(a morte me fazia de besta)

Agora, dedico boa parte do tempo colando os cacos da vida quase perdida.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Morre Ezequiel Neves no mesmo dia de Cazuza

Ezequiel Neves e seu pupilo Cazuza: perdas irreparáveis
Ezequiel Neves, jornalista cultural, letrista e produtor musical do grupo Barão Vermelho, morreu nesta quarta-feira (7), aos 74 anos. Ironia do destino, o dia de hoje é marcado pela morte de Cazuza, que se lançou como um dos ícones da música brasileira com a ajuda de Neves.
Segundo a assessoria de imprensa da Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, o compositor morreu às 14h30 de falência múltipla dos órgãos. Ezequiel lutava há cinco anos contra um tumor benigno no cérebro, enfisema e cirrose.
Ele estava internado no local desde o dia 22 de janeiro. Conhecido por seu bom humor e disposição para festas, Neves produziu discos do Barão e foi parceiro musical do grupo e de Cazuza, em sucessos como "Exagerado" e "Burguesia".

Zeca Jagger, como ficou conhecido no meio rockeiro, foi pioneiro do jornalismo cultural no Brasil, deixando seu talento e assinatura em centens de artigos no Jornal de Música, revista Rolling Stone, revista POP e revista SOM TRÊS, nos loucos anos 1970, ao lado de talentos como Ana Maria Bahiana, Luiz Carlos Maciel, Maurício Kubrusly, Roberto Muggiati, Okky de Souza e Tárik de Sousa.

Rockeiro emperdernido, Ezequiel amava os Rolling Stones, Janis Joplin, Jimi Hendrix, The Doors, Greatfull Dead, Made in Brazil, Barão Vermelho e Cazuza. No filme Cazuza- O Tempo Não Para, foi interpretado pelo ator Emílio de Mello.
Logo que a notícia foi divulgada, artistas escreveram seus pesares no microblog Twitter: "Fiquei sabendo agora pelo Twitter que morreu hoje um grande amigo da família e um grande artista, Ezequiel Neves. Obrigada por tudo, Zeca", postou Preta Gil.
Alexandre Nero, o Gilmar de "Escrito nas Estrelas", frisou a coincidência das datas da morte de Zeca e Cazuza: "Ezequiel Neves faleceu hoje. Há exatamente 20 anos, no mesmo dia, morria Cazuza. A vida ainda me assusta com suas 'coincidências'".
Bruno Mazzeo também parecia não acreditar: "Chocado com a morte de Ezequiel Neves justamente no mesmo dia em que Cazuza". Serginho Groisman twittou o link da notícia e acrescentou: "Morreu hoje Ezequiel Neves. Foi importante na música brasileira e na vida de Cazuza, que está sendo lembrado hoje".

Gravemente Burroughs

Escritor William Burroughs vestido para matar
Fucei o blog Atire no dramaturgo, de Mário Bortolotto, e encontrei esse trecho de uma entrevista do escritor e artista plástico norte-americano, William Burroughs, a Daniel Odier, em 1966, que agora posto no Nariz de Defunto. Tirem suas conclusões. Se quiserem, claro.
Você já declarou que a família é um dos maiores obstáculos para o real progresso humano. Por quê?
Em primeiro lugar, família significa que as crianças são criadas pelas mulheres. Em segundo, significa que qualquer tipo de problema que os pais sofram – qualquer tipo de neurose ou confusão – é imediatamente passado para uma criança indefesa. Todo mundo considera que os pais possuam o direito de infringir nas crianças qualquer tipo de problemas perniciosos que sofram, e que por sua vez foram passados a eles pelos seus próprios pais. Então a humanidade é estropiada já na infância, e isso é feito pela família. Mais do que isso, as nações, os países, são meras extensões das famílias, e se existe algo que impede o progresso do mundo são as nações. Não iremos chegar em nenhum lugar enquanto essa unidade ridícula não seja desfeita. Existe uma série de meios para nos libertarmos da família. É claro, existe o mais óbvio que é separar as crianças dos seus pais biológicos ao nascimento e criá-las em creches públicas. Isso já foi proposto várias vezes, mas temos que considerar que tipo de treinamento e ambiente encontraremos nas creches públicas. Outra sugestão feita pelo senhor Brion Gysin, é que as crianças devam ser remuneradas por irem à escola. Em outras palavras, o quanto mais elas avançarem na educação, mais dinheiro acumularão. Isso, se feito desde a mais tenra idade, quebraria a dependência econômica das crianças por seus pais. O que realmente mantém as crianças presas aos seus pais é a dependência econômica e isso precisa acabar.

O que substituiria a família?
Nada. Não há nenhuma necessidade de possuirmos algo como a família.
(Trecho da entrevista de William Burroughs a Daniel Odier em 1966)

domingo, 4 de julho de 2010

Homenagem a Roberto Piva agora sabe Deus onde

Roberto Piva foi um dos principais poetas paulistanos nos anos 60 e 70
Os drinks desfilam diante dos amigos
embriagados no tapete
Saratoga Springs
Kummel Coquetel
minhas almas estão sendo enforcadas
com intestinos de esqueletos
meus livros flutuam horrivelmente
no parapeito meu melhor amigo
brinca de profeta
no meu cérebro oito mil vagalumes
balbuciam e morrem

(Roberto Piva)

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Tá Combinado

Compartilho com os visitantes do Nariz de Defunto esta música mágica de Caetano Veloso na voz da mana Maria Bethânia. Particularmente, prefiro na interpretação de Gal Costa - a maior cantora do Brasil, ainda. Tá Combinado, na voz de Gal, faz parte da trilha sonora do filme Dedé Mamata (1987), protagonizado por Guilherme Fontes e dirigido por Rodolfo Brandão. Bom, curtam a música e boa viagem.

Tá combinado

Então tá combinado, é quase nada

É tudo somente sexo e amizade.

Não tem nenhum engano nem mistério.

É tudo só brincadeira e verdade.

Podemos ver o mundo juntos,

Sermos dois e sermos muitos,

Nos sabermos sós sem estarmos sós.

Abrirmos a cabeça

Para que afinal floresça

O mais que humano em nós.

Então tá tudo dito e é tão bonito

E eu acredito num claro futuro de música, ternura e aventura

Pro equilibrista em cima do muro.

Mas e se o amor pra nós chegar,

De nós, de algum lugar

Com todo o seu tenebroso esplendor?

Mas e se o amor já está, se há muito tempo que chegou

E só nos enganou?

Então não fale nada, apague a estrada

Que seu caminhar já desenhou

Porque toda razão, toda palavra

Vale nada quando chega o amor...

(Caetano Veloso)