segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Cineasta Mario Monicelli morre ao se jogar de hospital em Roma


Quem acompanha a novela "Passione" sabe que Gemma (Aracy Balabanian) quase sempre chora e se lamenta usando uma expressão: "Parenti serpenti!". A máxima italiana sobre as agruras da convivência familiar é também o título de um dos filmes mais famosos de Mario Monicelli, morto nesta segunda (29) ao se jogar do hospital onde estava internado, em Roma. Ele nascera há 95 anos, em Viareggio, cidade litorânea da Toscana, região onde ambientou boa parte de seus filmes.

Lançado no Brasil como "Parente é Serpente" (2006), o título foi um dos últimos filmes italianos de Monicelli a fazer sucesso no circuito comercial. A minha comédia preferida em todos os tempos. Insuperável. Contava a história de uma família que, depois da morte do patriarca, se reúne na casa da mãe viúva para uma festa de Natal. Ao escutar dela que pretende vender a casa para ficar mais tempo com os filhos e os netos, os familiares entram em pânico, começam a jogar o problema uns nas costas dos outros para, finalmente, fazer o que se imaginava impossível.

  • Divulgação

    Os atores Ornella Muti e Michele Plácido em "Romance Popular" (1975), de Mario Monicelli


Monicelli era isso: o humor negro levado ao excesso, ao limite da ironia e do escárnio. Em contrapartida, podia ser terno, doce e melancólico. Ou as duas coisas ao mesmo tempo, como na série de comédias iniciada com "Meus Caros Amigos" (1975), seguida por "Quinteto Irreverente" (1982) e selada com "Caros F... Amigos" (1994). O centro dessa trilogia é um grupo de velhos amigos de escola liderados por um jornalista veterano interpretado por Phillipe Noiret que fugia da rotina do dia a dia para pregar peças nos outros e rir desbragadamente da vida. Ugo Tognazzi é o conde falido; Adolfo Celi, o médico; Gastone Moschin, o arquiteto, e Duílio Del Prete, o remediado.

Entre seus grandes sucessos, estão "O Incrível Exército de Brancaleone" (1966), com Vittorio Gassman, e "Os Eternos Desconhecidos" (1958), que além do citado Gassman, trazia ainda Claudia Cardinale, Marcello Mastroinanni e Renato Salvatori. Este último é considerado a semente da "Commedia all'italiana", um subgênero que floresceria nas duas décadas seguintes. Se algo que ligue os filmes, é o olhar carinhoso de Monicelli em relação aos personagens ridículos e patéticos que ele acreditava que faziam parte de todos nós.

Monicelli começou carreira nos anos 30, ao lado do editor Alberto Mondadori, parceiro no primeiro curta-metragem e em outros projetos. A veia humoristica foi aperfeiçoada na parceria com Steno e Totó, no fim dos anos 40 e início dos anos 50. A partir de 1953, inicia a carreira solo, que seria marcada por vários êxitos. Entre os quais, um Leão de Ouro por "A Grande Guerra" (1959), que também lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. E uma segunda indicação ao prêmio da Academia, desta vez por "Os Companheiros" (1963).

Com uma carreira prolífica e extremamente rica, não é de se espantar que Monicelli saia de cena desta maneira, surpreendendo a todos de forma trágica e com uma atitude totalmente inusitada. Se foi o desespero pelo diagnóstico de um câncer de próstata ou o cansaço de uma vida limitada será difícil saber com certeza. Talvez - e só talvez - fosse essa dúvida o efeito esperado por ele, como em um grande ato final.

sábado, 20 de novembro de 2010

O Rouxinol


Que cantará o Rouxinol
Na tarde púrpura
Prenhe de dor?
Tango? Bolero? Blues?
Ou o silêncio dos inocentes?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Três poemas de Jorge Luis Borges

Caricatura de Jorge Luis Borges



Poemas de Jorge Luis Borges



EVERNESS


Só uma coisa não há: e esta é o olvido.

Deus, que salva o metal, e salva a escória,

cifra em Sua profética memória

as luas que serão e as que têm sido.

Já tudo fica. A seqüência infinita

de imagens que entre a aurora e o fim do dia

teu rosto nos espelhos deposita

e essas que irá deixando todavia.

E tudo é só uma parte do diverso

cristal desta memória: o universo.

Não têm fim os seus árduos corredores,

e se fecham as portas ao passares;

e só quando na noite penetrares,

do Arquétipo verás os esplendores.



UM CEGO


Não sei qual é a face que me mira

quando miro essa face que há no espelho;

e desconheço no reflexo o velho

que o escruta, com silente e exausta ira.

Lento na sombra, com a mão exploro

meus traços invisíveis. Um lampejo

me alcança. O seu cabelo, que entrevejo,

é todo cinza ou é ainda de ouro.

Repito que perdi unicamente

a superfície vã das simples coisas.

Meu consolo é de Milton e é valente,

porém penso nas letras e nas rosas.

Penso que se pudesse ver meu rosto

saberia quem sou neste sol-posto.



A CHUVA


A tarde bruscamente se aclarou,

porque já cai a chuva minuciosa.

Cai e caiu. A chuva é só uma coisa

que o passado por certo freqüentou.

Quem a escuta cair já recobrou

o tempo em que a fortuna venturosa

uma flor lhe mostrou chamada rosa

e a cor bizarra do que cor tomou.

Esta chuva que treme sobre os vidros

alegrará nuns arrabaldes idos

as negras uvas de uma parra em horto

que não existe mais. A umedecida

tarde me traz a voz, a voz querida

de meu pai que retorna e não é morto.


Jorge Luis Borges