sábado, 31 de outubro de 2009

"Desejo e Perigo" confirma ótimo momento do cinema chinês


Engana-se quem pensa que o cinema chinês perdeu o fôlego depois dos clássicos dos anos 1980/90. Desejo e Perigo (Se Jie / Lust, Caution, China / Estados Unidos, 157 min, 2007), de Ang Lee, em cartaz na Sessão de Arte do Cinemark (Midway Mall), contradiz afirmação neste sentido. O cinema chinês continua nos surpreendendo positivamente. A rigor, a cinematografia de Ang Lee se sustenta fortemente nas relações humanas e suas vertentes, como em trabalhos anteriores, notadamente Razão e Sensibilidade e O Segredo de Brokeback Mountain, para ficarmos nesses dois títulos. Desejo e Perigo se apoia num casal de amantes. Ela é Wong Chia Chi (Wein Tang) uma jovem estudante cujo pai foge para a Inglaterra durante a ocupação da China pelos japoneses durante a 2a Guerra Mundial. Ele é Yee (Tony Leung Chiu Wai, de "Amor À Flor da Pele"), colaborador dos japoneses e notório torturador. Wong é uma jovem estudante quando se envolve com um grupo de teatro formado em Hong Kong por jovens que montam peças patrióticas.

Com a liderança ingênua de Kuang (Wang Lee-Hom), o grupo arquiteta plano para matar Yee, e a jovem está metida nisso até as calcinhas. Ela se passará por uma mulher casada que deverá seduzir a vítima, deixando-a vulnerável para os amigos o executarem. Assumindo a identidade de Mak Tai Tai, a moça entra na vida da família Yee, se torna amiga da mulher e, aos poucos, o seduz. Mas o grupo de jovens da resistência é mal organizado e acaba se dissolvendo. Tudo isso regado a cenas de violência explícita. Só anos mais tarde, em Xangai, o plano será retomado, agora coordenado por uma resistência veterana e mais bem organizada. A partir daqui, o relacionamento entre Yee e Mak ganha contornos tórridos de sadomasoquismo, com cenas de uma sexualidade tão contundente quanto explícita, que causou polêmica por onde passou. Lee usa o sexo para chegar a um fundo psicológico de Mak e Yee. O filme não mascara e, no fundo, esse é o seu tema: o sexo como instrumento de dominação e manipulação. Aliás, desde o pecado original é assim.

Plasticamente perfeito, o filme tem direção de arte primorosa. Louve-se ainda a direção de fotografia a cargo de Rodrigo Prieto. A música de Alexandre Desplat dá todos os climas possíveis. Ah, o roteiro, assinado por James Schamus, é baseado num conto de Eileen Chang, uma das grandes escritoras chinesas do século 20. A trama transita entre o romance e a espionagem, tendo a política como pano de fundo. Nos últimos anos, Lee se tornou um dos principais cineastas da atualidade. Em 2007, recebeu seu segundo Leão de Ouro, no Festival de Veneza - o primeiro foi conquistado dois anos antes por "O Segredo de Brokeback Mountain". Desejo e Perigo é uma das obras mais contundentes do diretor. Em que pese ter conquistado o Leão de Ouro, só em maio deste ano que o filme chegou ao circuito comercial brasileiro. Em Natal, apenas em outubro. Para nossa sorte e regozijo. Amém. Aleluia.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Câmera Cascudo


Amanhece na Ribeira
Entoam os pássaros o cordel
Passam homens gritando o pregão
Levita o bonde acima dos trilhos progresso
E os escoteiros cantam o mesmo estribilho.

A tudo retina Cascudo. Olhos atentos lançados aos livros, ao cais, ao rio.

Cai a tarde na Junqueira Aires
Entardece no Potengi
Tilinta longe o chocalho do boi-calemba
Há barulho de tiros de fuzil no ar
E a televisão exibe sexo explícito e violência.
Da sacada, enquadra o mundo Cascudo, baforadas no charuto
E as mãos bailando no teclado.

É noite na Natal velha
Sublima-se o firmamento
Ilumina a lua cheia a cidade
Jejuam as prostitutas nas travessas
E a surdez dos homens é absoluta.

Flutua Cascudo entre nuvens de tabaco e monóxido de carbono,
Turva está a vista,
E carnavalizado o folclore.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

"Crônicas inéditas" de Manuel Bandeira

Quem me conhece na intimidade sabe que Manuel Bandeira (1886-1968) é o meu poeta brasileiro preferido. Do Bandeira poeta, li tudo. Assino embaixo e recomendo. Não há outro que o faça frente em língua portuguesa falada no Brasil. No meu ponto de vista, claro. Do cronista Bandeira pouco sabia até ganhar do amigo Carlos Henrique Leiros Crônicas Inéditas I (São Paulo, Cosac & Naify, 2008, 464 pp., 37 ils.). Doce alumbramento. Publicadas em diversos jornais brasileiros, entre 1920 e 1931, as 113 crônicas reunidas no volume, até então inéditas em livro, tratam de quase tudo: música, literatura, arquitetura, cinema, artes plásticas, política, carnaval, festas populares e até concursos de miss.

Antenado com sua época, Bandeira nos brinda neste primeiro volume - são dois - com crônicas inteligentes escritas sob a ótica do modernismo. Em alguns momentos, exerce o papel de crítico ferrenho; em outros, exegeta cordial, mas sempre demonstrando um olhar particular sobre cada assunto abordado. No livro, Bandeira nos dá uma ideia exata ou quase isso do pensamento intelectual brasileiro na década de 1920 e início dos anos 30. A organização, posfácio e notas são de Júlio Castañon Guimarães. Merece constar em qualquer biblioteca. Recomendadíssimo!

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cadê o nome da autora do Auto do Natal 2009?

Está mais que na hora da Fundação Cultural Capitania das Artes divulgar oficialmente o nome da autora do texto do Auto do Natal 2009 e do diretor do espetáculo, até porque não é mais novidade para ninguém. Outra: também deve vir a público explicar o porquê da escolha do texto da dramaturga Clotilde Tavares, mesmo ela não tendo participado do edital do Concurso de Dramaturgia Auto do Natal 2009. O que houve? Qual papel coube aos jurados do Concurso? O que há por trás dessa manobra e demora da Funcarte? E os ensaios vão iniciar faltando quantos dias para o evento? Com a palavra a douta instituição de cultura do município.

domingo, 25 de outubro de 2009

Poema sem nome (Um)

Um talvez anjo da guarda
desça à terra para guiar-me até
os céus
onde tudo que sei sobre
me apavora
e os olhos cegos
tentam decifrar
em vão
o olhar do Deus furibundo

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Bastardos inglórios" traduz mediocridade de Tarantino


Para quem ainda não foi ao cinema assistir Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, França/Alemanha, 153 min, 2009) vale a dica: não espere um filme de guerra à feição tradicional. O celulóide do diretor Quentin Tarantino é, antes, uma obra de invenção cinematográfica bem-humorada, para não dizer comédia, sobre os primeiros anos da ocupação da França pela Alemanha. Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) testemunha a execução de sua família pelas mãos do coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz). A menina escapa por pouco da chacina e foge para Paris, onde assume uma identidade falsa e se torna proprietária de um cinema.


Em outro lugar da Europa, o tenente Aldo Raine (Brad Pitt) organiza um grupo de soldados americanos judeus para praticarem atos violentos de vingança. Posteriormente chamado pelo inimigo de “Os bastardos”, o esquadrão de Raine se une à atriz alemã Bridget von Hammersmark (Diane Kruger) em uma missão para derrubar os líderes do Terceiro Reich. O destino conspira para que os caminhos de todos se cruzem no cinema de Shosanna, onde ela pretende colocar em prática seu próprio plano de vingança.


Bastardos Inglórios é um autêntico Tarantino: ação, humor, violência, vingança e citações/homenagens a filmes clássicos e/ou trash. Os diálogos são interessantes e até tentam apoiar a frágil narrativa, mas não conseguem porque a fragilidade (da narrativa) é tanta que o filme acaba naufragando em águas calmas. A grotesca caracterização de Hitler e Goebbels tenta ridicularizar todos os tiranos mundiais. Até consegue, arrancando risos na plateia. É pouco. Considerado o filme "maduro" do diretor, Bastardos Inglórios conta com elenco estelar, tendo como principal nome o canastríssimo Brad Pitt (talvez um dos piores trabalhos do galã).


Quentin Tarantino definiu seu filme como um spaghetti western feito com a iconografia da Segunda Guerra Mundial. Sua intenção era homenagear um subgênero, o ‘macaroni combat’, representado por Enzo G. Castellari em Quelo Maledeto Treno Blindato (Inglourious Basterds), de 1978. Tarantino adora colagens musicais. Como a maioria dos seus filmes, a trilha de Bastardos não foge à regra. Resumo da ópera: uma obra para divertir casais de namorados. Nada mais que isso. Ainda fico com Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, EUA, 99 min, 1992).


A natureza da palavra


A palavra é mais palavra
quando dita dura machuca

Não é letra morta viva
a palavra verbo ação

Antes é poder mito síntese
– Zeus Castor Pólux

É a palavra instrumento grave e agudo
capaz de cortar o espírito em capítulos

Na palavra há fogo água ar metal e terra
onde me enterro terno... e eternamente
incomunicável

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Paradoxo


Teus olhos lançados aos meus revelam dragões.
Vejo fogo-fátuo na lente de tua rubra íris verde.

Ante o espanto,
ouço teu olhar emblemático,
a dizer tudo e não dizer nada,
na afirmação da dúvida.

É o amor – fluida chama –
que absolve o espírito
e condena a matéria,
na batida sincopada
do coração contraditório.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Poema final

o homem só,
velho e cansado,
olha para a frente
e nada vê.
olha para os lados
e nada vê.
olha para o fim do mundo

e nada vê.
entre
o espanto dos suicidas
e
o silêncio dos desamados,

o homem cansado,
velho e só,
olha para o poema
e nada vê.

será
que os sinos
dobrarão por ele?

Moacy Cirne

sábado, 17 de outubro de 2009

Fogo destroi 90% das obras de Hélio Oiticica

Oiticica, teu espírito tem labaredas imensas.


De outra, perdoe a negligência e a podridão humana.


Afinal, "pureza é um mito".


Que sua obra descanse em paz.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

"Coração vagabundo" desnuda universo particular de Caetano

Caetano Emanoel Viana Teles Veloso é um artista singular. E genial. Mais do que isso: um ser humano fascinante e com ideias próprias e originais sobre quase tudo. E é sobre "quase tudo" que Caetano discorre no documentário Coração Vagabundo (Brasil, 60 min, 2008), resultado sintetizado de 56 horas de material audiovisual. A câmara do diretor Fernando Grostein Andrade devassa a intimidade do artista, acompanhando-o na turnê de divulgação do álbum A Foreign Song, por São Paulo, Nova York e Japão, entre 2003 e 2005. Diante da câmara, o filho de Santo Amaro da Purificação se prepara nos bastidores e confessa alguns momentos de insegurança – como quando lamenta supostas falhas no seu inglês numa entrevista no rádio.
Andando pelas ruas de Nova York e Osaka, ele dispara comentários sobre sua formação, polemiza à distância com Hermeto Paschoal e encontra fãs estrangeiros capazes de cantarolar suas músicas. São ouvidos sobre ele amigos e admiradores como Pedro Almodóvar, que o escalou para uma cena de seu filme Fale com Ela, David Byrne e Michelangelo Antonioni – que recebeu do compositor uma música em sua homenagem, antes de morrer, em julho de 2007. Aliás, a aparição de Antonioni em idade avançada é comovente.

Despretensioso, o documentário produzido por Paula Lavigne era para ser um making of da turnê do álbum de clássicos do cancioneiro americano ou um DVD com um concerto ao vivo. Em Nova York, o cantor se prepara para cantar no Carnegie Hall junto a David Byrne (ex-Talking Heads). Ele relata a dificuldade que teve ao falar a um programa de televisão. O cantor ainda discorre sobre a influência americana na música mundial e contesta uma entrevista de Hermeto Pascoal, que o chamou de "musiquinho" e disse que a música brasileira é mais importante do que a americana. Por sua vez, Caetano (re)afirma que a música america e a cubana são superiores à música brasileira.

Nos camarins, após o show no Carnegie Hall, Caetano recebe a übber model Gisele Bündchen e se encanta. "Me dá o telefone da Gisele, Paula", pede à esposa, que nega enciumada. No Japão, o cantor se aproxima de um penhasco e começa a relatar que sua vida pessoal o deixa triste. O fim do casamento com Paula Lavigne é a resposta. Em certo momento, Caetano fala que não gostaria de morar fora do Brasil, mas, caso tivesse de se mudar, moraria em Nova York ou em Madri. Almodóvar dá seu depoimento. Fala que Paula é uma inspiração para seus personagens. "Ela é forte, exuberante, decidida", diz o cineasta. Além das imagens das apresentações, o diretor Fernando Andrade deixa o músico livre para dissertar sobre a saída de sua cidade natal, o sucesso no exterior, a relação com Almodóvar, a separação de Paula Lavigne e o completo desprezo pelas religiões.

Caetano não espera; já está falando de novo.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Pobre imprensa potiguar


Quase rolei de rir quando vi hoje a vereadora Sargento Regina ocupando tempo e espaço no programa Encontro com a Notícia da TV Tropical, apresentado pelos jornalistas Jânio Vidal e Daniela Freire. Achei a nova "aquisição" da TV Tropical o fim da picada, muito pela compra do espaço, o que acho inconcebível num programa crítico como o Encontro com a Notícia. Quem na TV Tropical vai ter peito para criticar a vereadora quando necessário? Sabemos nós que um canal de TV é concessão pública. Agora, servir de palanque eleitoral para quaquer político fere profundamente a ética jornalística. O país está cheio de maus exemplos. Para mim, o Encontro com a Notícia perdeu toda a credibilidade e a imprensa natalense ficou mais pobre e mais desmoralizada do que já é. Sargento Regina junta-se a Aquino Neto, Luiz Almir, Nei Lopes Junior e Salatiel de Souza para poluir nossas casas. Pobre imprensa potiguar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Grave

Onde há terra fecunda
restam resquícios de rastros,
tatuagens de deuses inebriados de cólera.

Não me consola o poder de Júpiter
a guerra de Marte,
nem o encapelado mar de Netuno.

Quero antes e tanto e sobretudo
a embriaguez de Baco
- totem de prazeres –
e a fúlgida manhã atlântica
iluminando destinos
e revelando descobertas.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Eu sou neguinha

Pronto. Agora o Comitê Nobel Norueguês perdeu as estribeiras. Conceder a Barack Obama o Prêmio Nobel da Paz 2009 é um despautério. Realizando guerra no Afeganistão e no Iraque e mantendo a base militar de Guantánamo, Obama virou heroi nacional nos EUA e, pelo visto, fora dele. Coca-cola é isso aí.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Salve Geral mantém Brasil afastado do Oscar

Não será dessa vez que a cobiçada estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood na categoria de Melhor Filme Estrangeiro virá para o Brasil. Mais: Salve Geral - O Dia Em Que São Paulo Parou (2009), filme selecionado por cinco pessoas da área para representar o país no Oscar de 2010, sequer será indicado para disputar uma vaga na disputa. Não tem cacife para isso. Dirigido pelo experiente diretor Sérgio Rezende, o mesmo de O Homem da Capa Preta, Guerra de Canudos e Zuzu Angel, para ficar nesses três, o filme peca especialmente pelo roteiro mal engendrado. Roteiro esse que quebra a espinha dorsal do filme e prejudica a narrativa.
O longa conta a história da viúva e professora de piano Lúcia (Andréia Beltrão), que sonha em tirar o filho Rafael (Lee Thalor) da prisão. Em uma das visitas à penitenciária, ela conhece a advogada Ruiva (Denise Weinberg), envolvida em crimes. As duas ficam amigas e Lúcia é, então, usada em missões ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Por precisar do dinheiro, ela aceita realizar as tarefas e nas idas e vindas conhece e se envolve amorosamente com o Professor (Bruno Perillo), o chefe do PCC.
Quando o Governo de São Paulo decide transferir, de uma só vez, dezenas de presos e seus chefes para penitenciárias de segurança máxima no interior do Estado, em retaliação ao assassinato de um juiz corregedor, uma ordem é enviada para que seus integrantes livres realizem uma série de ataques em pleno Dia das Mães de 2006 e, assim, deixarem a capital sitiada. Na gíria da criminalidade era preciso um salve geral. A operação da organização criminosa chocou o país inteiro e transformou Sampa num inferno de ônibus incendiados, ataques a bancos, delegacias, postos policiais e residências, resultando um saldo de pelo menos 152 mortos.
A história de Lúcia e de seu filho preso foi a saída que Sérgio Rezende e a roteirista Patrícia Andrade encontraram para dar um sentivo narrativo ao filme. Aí é que a coisa degringolou, vez que houve um hiato entre intenção e ação. A ideia ficou no meio do caminho. Até o início dos ataques, muito verbo e pouca ação. O elenco não compromete. Sérgio Rezende é ótimo diretor de atores. Também tecnicamente o filme é bem cuidado, com belas imagens aéreas e terrestres de São Paulo e de uma Avenida Paulista deserta. Mas ficou faltando algo. Os indicados à 82ª edição do Oscar serão anunciados em 2 de fevereiro de 2010; a entrega dos prêmios da Academia ocorre no dia 7 de março de 2010, no Kodak Theatre, em Los Angeles, com transmissão ao vivo para 200 países. Reafirmo: a vaga ao Oscar 2010 está comprometida. Já era. E salve geral.





segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Café do Vento encanta amantes da música instrumental potiguar

O cenário não podia ser melhor. Afinal, o Parque das Dunas é o único lugar da Cidade dos Reis Magos que dá para salvar o modorrento domingo natalense. Então, salve geral. A volta do projeto Som da Mata revestiu-se de êxito total com o som do quarteto Café do Vento, que lotou as dependências do anfiteatro ou concha acústica do Parque. Foi a primeira vez que senti o aroma do Café ao vivo. Já tinha visto um show na TV e aparições outras na telinha, mas ao vivo é outro lance. O quarteto mistura o popular e o erudito em doses certas apoiado fortemente na percussão, violão e violino. Resultado: um som instrumental personalíssimo. Depois de onze menos no limbo, o Som da Mata renasce com força total. Valeu o Café puro. Sem açúcar nem adoçante.

No retorno para casa, revi o DVD "Conto de Verão", do cineasta francês Eric Rohmer, e gostei ainda mais da obra. Faz parte da série Conto das Quatro Estações. O forte de Rohmer são os diálogos inteligentes e a exata noção da condição humana, muitas vezes devassada pelas relações conjugais. O filme vai fundo nos recônditos da alma humana. Também conheço "Conto da Primavera". Este mais denso e filosófico. Vale a pena conferir. C'est tout.

sábado, 3 de outubro de 2009

Tempos de paz surpreende pelas atuações convincentes




Rio de Janeiro. Abril de 1945. Estertores da II Guerra Mundial. Os combates já cessavam na Europa, mas o Brasil ainda estava "tecnicamente" em guerra. Para fugir do confronto, imigrantes europeus chegam aos montes à "terra prometida", indo diretamente para o porto do Rio. É lá que os aguarda Segismundo (Tony Ramos), interrogador alfandegário e ex-torturador da polícia política de Getúlio Vargas. Por falar o português, o ex-ator polonês Clausewitz (Dan Stulbach) é detido na sala de imigração do porto, onde se desenrola um combate particular entre ele e Segismundo. Como se não bastasse recitar poema de Carlos Drummond de Andrade, em bom português, Clausewitz é ainda confundido com um nazista fugitivo.

O fim da Guerra, por ironia do destino, é o que tira a paz de Segismundo. Ele teme a vingança de seus ex-torturados. E hoje chefe da imigração na Alfândega do Rio de Janeiro, Segismundo é quem decide quem entra ou não no país. Clausewitz, que conseguiu escapar do nazismo depois de conhecer e experimentar os horrores da guerra, terá que usar todo seu talento de ator para provar que não é um seguidor de Hitler. O filme retrata um período crítico da história brasileira, a Era Vargas.

Tempos de paz (Brasil, 2009) é filme que prende a atenção do espectador do início ao fim. Com atuação impecável de Dan Stulbach e também de Tony Ramos, com todo mérito, o filme vai crescendo em dramaticidade até o ex (?) ator Clausewitz conseguir o tão sonhado carimbo no passaporte ao fazer Segismundo chorar, ao ser desafiado pelo próprio, interpretando trecho de uma peça do dramaturgo espanhol Calderón de La Barca. A sequência explicitamente teatral é tocante e impressiona pelo realismo e verdade que o ator Dan Stulbach emprega. Interpretação digna de prêmio internacional.

Adaptado para o cinema pelo veterano diretor Daniel Filho, a partir da peça teatral homônima do dramaturgo Bosco Brasil, que também assina o roteiro, Tempos de paz toca pela mensagem de esperança num mundo melhor e menos hipócrita, pela direção e atuação do elenco, incluindo ainda o próprio diretor Daniel Filho (Doutor Penna) e Louise Cardoso (Clarissa). Antes dos créditos subirem, são mostradas fotos e a identificação de vários imigrantes que vieram dos seus países para o Brasil fugidos da guerra, entre eles o ator e diretor polaco Zbigniew Ziembinski (1908 - 1978), o homem que revolucionou o teatro brasileiro, propositalmente o último a aparecer. Tocante. Como o filme.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Perdidos e achados


Enfim,
sobreveio a paixão
trazendo brasa no olhar,
intenção em cada gesto.
Ainda assim
procuro no vão desespero
a pedra filosofal
– fórmula imperfeita da química de Deus -
mas só encontro em mim
o alquimista de possíveis
perdidos e achados.
Paulo Jorge Dumaresq