segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Amor feinho

A poetisa mineira Adélia Prado


AMOR FEINHO



Eu quero amor feinho.


Amor feinho não olha um pro outro.


Uma vez encontrado, é igual fé,


não teologa mais.


Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo


e filhos tem os quantos haja.


Tudo que não fala, faz.


Planta beijo de três cores ao redor da casa


e saudade roxa e branca,


da comum e da dobrada.


Amor feinho é bom porque não fica velho.


Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:


eu sou homem você é mulher.


Amor feinho não tem ilusão,


o que ele tem é esperança:


eu quero amor feinho.


ADÉLIA PRADO

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Blues


Um blues

Uma nota triste

Todo sentimento.

Um cigarro aceso

Acesso de tosse.

O olhar vago

Anunciando desenlace.

Melancolia

Na vaga da paixão.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Manhã à janela (T.S. Eliot)

Poeta, dramaturgo e tradutor T.S. Eliot


MANHÃ À JANELA



Há um tinir de louças de café

Nas cozinhas que os porões abrigam,

E ao longo das bordas pisoteadas da rua

Penso nas almas úmidas das domésticas

Brotando melancólicas nos portões das áreas de serviço.

As ondas castanhas da neblina me arremessam

Retorcidas faces do fundo da rua,

E arrancam de uma passante com saias enlameadas

Um sorriso sem destino que no ar vacila

E se dissipa rente ao nível dos telhados.



(Tradução: Ivan Junqueira)



MORNING AT THE WINDOW



They are rattling breakfast plates in basement kitchens,

And along the trampled edges of the street

I am aware of the damp souls of housemaids

Sprouting despondently at area gates.

The brown waves of fog toss up to me

Twisted faces from the bottom of the street,

And tear from a passer-by with muddy skirts

An aimless smile that hovers in the air

And vanishes along the level of the roofs.



T.S. Eliot (1888-1965)