quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Três poemas de Jorge Luis Borges

Caricatura de Jorge Luis Borges



Poemas de Jorge Luis Borges



EVERNESS


Só uma coisa não há: e esta é o olvido.

Deus, que salva o metal, e salva a escória,

cifra em Sua profética memória

as luas que serão e as que têm sido.

Já tudo fica. A seqüência infinita

de imagens que entre a aurora e o fim do dia

teu rosto nos espelhos deposita

e essas que irá deixando todavia.

E tudo é só uma parte do diverso

cristal desta memória: o universo.

Não têm fim os seus árduos corredores,

e se fecham as portas ao passares;

e só quando na noite penetrares,

do Arquétipo verás os esplendores.



UM CEGO


Não sei qual é a face que me mira

quando miro essa face que há no espelho;

e desconheço no reflexo o velho

que o escruta, com silente e exausta ira.

Lento na sombra, com a mão exploro

meus traços invisíveis. Um lampejo

me alcança. O seu cabelo, que entrevejo,

é todo cinza ou é ainda de ouro.

Repito que perdi unicamente

a superfície vã das simples coisas.

Meu consolo é de Milton e é valente,

porém penso nas letras e nas rosas.

Penso que se pudesse ver meu rosto

saberia quem sou neste sol-posto.



A CHUVA


A tarde bruscamente se aclarou,

porque já cai a chuva minuciosa.

Cai e caiu. A chuva é só uma coisa

que o passado por certo freqüentou.

Quem a escuta cair já recobrou

o tempo em que a fortuna venturosa

uma flor lhe mostrou chamada rosa

e a cor bizarra do que cor tomou.

Esta chuva que treme sobre os vidros

alegrará nuns arrabaldes idos

as negras uvas de uma parra em horto

que não existe mais. A umedecida

tarde me traz a voz, a voz querida

de meu pai que retorna e não é morto.


Jorge Luis Borges


6 comentários:

  1. Paulo Jorge, meu querido
    Que poeta você escolheu hoje!
    Que seleção você fez para nós!
    Jorge Luis Borges...
    Everness:
    Só uma coisa não há: e esta é o olvido.
    Um cego:
    Penso que se pudesse ver meu rosto
    saberia quem sou neste sol posto.
    A chuva:
    ...a voz querida do meu pai que retorna e não é morto.
    Ai...
    Forte abraço, amigo!

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  2. Obrigado, pelo incentivo, amiga.
    Isso só me dá força para continuar trilhando o caminho da literatura e da arte.
    Abração e ótimo feriado.

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  3. Paulo Jorge...

    As palavras deste Jorge são preciosidades que agradeço sempre por conhecer.
    Everness é algo tão lindo que nada digo, só consigo mesmo é me emocionar.
    Começou a chover agora aqui na Ilha assim que comecei a ler...

    Beijos...

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  4. É de deslocar a mandíbula, ficar de queixo caído! Sempre. Nem sei como ouso flertar com a poesia...

    Grande abraço, Paulo Jorge.

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  5. Pólen, a poesia de Luis Borges é verniz para destacar a vida humana e a natureza.
    Sem palavras.
    Em tempo: faz um calor terrível em Natal.
    Beijos e quando vier mantenha contato.

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  6. Marcantonio, esse Borges não é fácil mesmo.
    Um dos grandes leões da literatura em todos os tempos.
    Só nos resta aplaudir sua alta poesia.
    Obrigado pela visita.
    Abração.

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