quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Cor do Paraíso: metáfora sobre a liberdade


Na minha ideia filmes nos levam a uma reflexão sobre a condição humana. Em verdade, penso que é esse o propósito do cinema. Mesmo a pior comédia hollywoodiana - qualquer uma com Wesley Snipes, por exemplo - sempre deixa algo para ser questionado. E como. Faço este preâmbulo como introdução ao comentário crítico do filme A Cor do Paraíso (Rang-e Khoda, Irã, 86 min., 1999), do consagrado diretor Majid Majidi. Talvez o filme não seja novidade para aqueles que acessam este blog. Mas, morando em Natal, só agora tive a honra de ver a obra em DVD. Encantador. É o mínimo que posso afirmar.
A Cor do Paraíso é um dos mais bonitos e emocionantes filmes dos últimos tempos. Por meio da história de Mohammad (Mohsen Ramezani) um menino cego, de verdade, Majid Majidi constroi uma bela metáfora da condição humana e, por conseguinte, da liberdade e do Irã que não conhecemos, com seus bosques, florestas, flores, mar e pássaros, o que resulta numa fotografia deslumbrante. Mohammad mora numa escola para deficientes visuais. Nas férias, volta para seu vilarejo no interior do país, onde convive com as irmãs e sua adorada avó. O pai, que é viúvo, se prepara para casar novamente. Mohammad é um garoto muito vivo, que tem uma enorme sensibilidade, sobretudo para se relacionar com pássaros que sugerem liberdade. Seu jeito simples de "ver o mundo" é uma lição de vida.
Com o argumento de "ser o melhor para o garoto", o irascível pai de Mohammad o tira do convívio familiar e o manda para uma marcenaria, onde o mestre também é cego. Num diálogo comovente, o garoto questiona Deus e sua própria condição de cego, afirmando que ninguém gosta dele por ser deficiente visual. De arrepiar. Neste ínterim, sua avó morre e o pai leva um pé na bunda da noiva. Só resta ao genitor de Mohammad, trazê-lo de volta para o vilarejo. Então, o pior acontece. A ponte de madeira cede e Mohammad e cavalo caem ribanceira abaixo. Depois de descer a correnteza do rio atrás do filho, o pai o encontra na faixa de areia. Ele abraça o rebento aparentemente morto. No fim da cena, o menino mexe a mão. Metáfora de esperança.
A cegueira de Mohammad é a cegueira de nós ocidentais que pensamos que a liberdade é "uma calça velha azul e desbotada". O jeans nosso de cada dia nos cega e idiotiza diante de uma cultura "estranha" como a iraniana. Majid Majidi não é um qualquer. Sabe onde está a ferida e coloca o dedo nela. O Irã alegre e colorido do filme é o país que o diretor sonha e que a mídia esconde. Do Irã conhecemos guerras, destruição, deserto, montanhas íngremes e fanatismo religioso. Com outra obra-prima no currículo, o fabuloso Filhos do Paraíso, o diretor direciona sua lentes para um Irã humano. O Irã de Mohammad e de suas irmãs com sonhos de liberdade.

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